Quem não gostaria de dirigir uma máquina potente e, de quebra, que atendesse às demandas do planeta por redução de emissões de dióxido de carbono (CO2)? Pois bem, ano após ano o cardápio “verde” é ampliado pelas principais montadoras, que investem rios de dinheiro em tecnologias consideradas sustentáveis, como carros híbridos (com um motor elétrico e outro a combustão) ou totalmente movidos a bateria. É consenso que o futuro da mobilidade passa pela eletrificação, mas os veículos não poluentes ainda são itens raros, especialmente nas ruas e estradas brasileiras. A razão é essencialmente econômica, já que a tecnologia embarcada tem custos altíssimos. O mercado, porém, começa a se tornar um tanto mais convidativo, e por um motivo bastante claro: o aumento da oferta de usados.
Carros eletrificados seguem a lógica de qualquer indústria high tech. No início são caríssimos, itens de luxo. À medida que a estrutura se desenvolve e a concorrência aumenta, os preços baixam e a novidade tende a se popularizar. Entre os modelos zero-quilômetro, o fenômeno é evidente, ainda que em ritmo lento. Enquanto a venda de eletrificados leves no Brasil cresceu 30% de janeiro a agosto em comparação com o mesmo período de 2021, entre os modelos a combustão houve queda de 8,5%. A maior novidade, contudo, é o ramo dos seminovos, com híbridos plug-in (PHEV) oferecidos a menos de 100 000 reais e elétricos (BEV) na casa dos 200 000 reais.
Por se tratar de um mercado embrionário, não há números consolidados apurados pelas associações, mas basta um breve passeio por lojas físicas de revendedores ou por plataformas on-line para perceber o movimento. A Webmotors, startup brasileira com mais de 400 000 opções de veículos em sua plataforma, revelou a VEJA que seu estoque de híbridos e elétricos usados aumentou 31% entre o primeiro e o segundo trimestre e que o número de anúncios desativados (quase sempre quando a venda é concluída) cresceu 46% no período. Levando em conta os primeiros oito meses do ano, o crescimento de sua oferta “verde” foi de 103%. “A base comparada com o todo ainda é pequena, mas são dados significativos e que tendem a disparar”, diz o CEO da Webmotors, Eduardo Jurcevic. Medidas como o desconto de 50% no valor do IPVA e a isenção de rodízio para elétricos, já aprovadas em São Paulo, também aceleram a corrida sustentável. “Há demanda crescente, investimento e incentivos”, completa Jurcevic.
A japonesa Toyota, que há anos produz seus híbridos no Brasil, lidera as buscas com os modelos Prius e Corolla Cross. A chinesa BYD (lê-se ‘bi-uai-di’, na pronúncia em inglês), que mantém duas fábricas em Campinas (SP) e uma em Manaus, promete entrar firme na disputa. No primeiro semestre, a marca celebrou a inédita liderança global entre eletrificados, superando a americana Tesla. Apesar de 97% de suas vendas terem ocorrido na China, a BYD tem um plano de expansão audacioso, que inclui o mercado brasileiro. “Os seminovos vão se proliferar em um futuro próximo”, diz Henrique Antunes, diretor da BYD Brasil. “É um ótimo negócio para quem compra, pois eletrificados sofrem bem menos desgaste, e para quem vende, pois a demanda será maior que a oferta.” Sobre a vida útil das baterias, uma das principais preocupações dos motoristas, Antunes ressalta que elas mantêm entre 60 e 70% de performance a cada 10 000 ciclos (equivalente a cerca de 1 milhão de quilômetros percorridos). “A bateria do carro não vai pifar como a pilha de um controle remoto.”
Cássio Pagliarini, consultor da Bright Consulting, confirma o viés de alta e estima que até 2030 em torno de 30% das vendas de veículos no país serão de eletrificados — em 2021, esse número ficou na casa dos 2%, contra 8% da conta global, puxada por europeus, americanos e asiáticos. Pagliarini, no entanto, aconselha potenciais compradores a realizar testes com os vendedores: “A bateria de um elétrico pode sofrer danos mecânicos com uma ralada no assoalho. Vale a pena fazer uma viagem para verificar seu funcionamento”. É caminho sem volta, ainda que o Brasil esteja entre os retardatários da corrida sustentável. É hora de acelerar.
Publicado em VEJA de 12 de outubro de 2022, edição nº 2810