Tendência de decoração traz florestas particulares para dentro de casa
Das mais discretas às mais exuberantes, as plantas se consagram como ingrediente decisivo da arquitetura de interiores

Muito antes de o mundo enfrentar a pandemia, o poeta gaúcho Mario Quintana (1906-1994) já intuía que “em tempos de céus cinzas e chumbos, nós precisamos de árvores desesperadamente verdes”. Pois a crise da Covid-19 fez o mundo sentir na pele essa necessidade: confinadas em casa, as pessoas logo perceberam que ter vegetação por perto, entre quatro paredes, as conectava com a natureza. Era um modo de atravessar meses turbulentos em meio a tanto concreto. Não à toa, nos dois primeiros anos da pandemia, o mercado de plantas cresceu entre 10% e 15% no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Floricultura (Ibraflor). O vírus perdeu força, mas o verde pediu passagem e se enraizou.

As plantas na decoração são, hoje, uma das principais tendências na arquitetura de interiores. O que antes era um jogo de vasinhos na varanda ou um canteiro no quintal se transformou em florestas internas e particulares com espécies que vão das mais discretas às mais exóticas e exuberantes. Ainda que felizmente estejamos isentos das amarras das quarentenas e vivendo ao ar livre, a ideia de pensar o lar como um refúgio de bem-estar colou de vez. Desse modo, salas e quartos deixam de ser mero abrigo de móveis, mesmo que sejam refinados e exclusivos. O mantra não é só ver, mas conectar-se com o entorno. “As pessoas perceberam que precisam respirar”, afirma o arquiteto Sig Bergamin, que recheou de verde seu espaço na edição 2023 da CASACOR, em São Paulo, ao convidar os visitantes para o que chamou de “imersão biofílica”.

Agora, na concepção dos projetos, as antigas extravagâncias com o mobiliário dão lugar a montagens menos opulentas, mas capazes de proporcionar experiências gostosas, sensação de conforto e ligação com o meio ambiente. “A diferença é que hoje as pessoas também querem cuidar de suas plantas”, diz Bergamin. “Não estão mais preocupadas se vão sujar a casa, e sim em cultivá-las.” Para seguir a nova ordem do dia, contudo, é preciso se informar e aprender quais espécies combinam melhor com lugares fechados. A luminosidade, direta ou indireta, e a rega adequada estão entre os fatores preponderantes para o verde prosperar. Tendo em vista essa dinâmica e a praticidade na rotina, entre as mais pedidas atualmente estão espadas-de-são-jorge, jiboias, dracenas e alguns tipos de samambaia, entre outras plantas ornamentais. “Todo mundo pode ter um espaço verde em casa, de um jardim vertical a uma urban jungle”, diz o paisagista Luciano Zanardo, que elegeu as bromélias e alocásias, as preferidas do arquiteto Burle Max, como as grandes estrelas de sua Praça do Polinizador na mostra Corpo & Morada da CASACOR.

Além de trazer frescor e alegria ao ambiente, ainda que o morador esteja cercado de uma selva de pedra, as plantas são peças determinantes para os momentos de respiro que precisamos ter no dia a dia. Sem contar seu papel fundamental para a manutenção do ecossistema e do clima. Nem o benefício à saúde mental, já apontado por alguns estudos, escapa ao olhar dos designers: afinal, o verde propicia alento e revitaliza o senso de cuidado com a casa e a natureza. Soa óbvio, mas não é, há ciência envolvida.

A natureza é tão onipresente na decoração que até os tons que mais combinam com o arvoredo estão em alta. O destaque são os matizes terrosos, num casamento adequado. Faz parte dessa paleta a cor que foi eleita pelos especialistas para 2024, o apricot crush, uma espécie de laranja mais suave obtido pelo equilíbrio entre o amarelo e o vermelho, que, adivinhe, orna perfeitamente não só com as plantas, mas também com itens feitos de fibras e tecidos naturais, como palha e bambu. Foi essa harmonização que deu o tom dos projetos apresentados pelas arquitetas Isabella Nalon e Carla Felippi em seus respectivos espaços na mostra paulistana, uma mistura de apelo sustentável com convite a desfrutar do lar em um clima de relaxamento e paz de espírito. Nestes tempos em que a natureza foi tão agredida lá fora, resta ao homem fazer o possível para preservá-la e repovoá-la aqui dentro. Sim, precisamos de árvores desesperadamente verdes, como cantou o poeta.
Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2023, edição nº 2855