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Por que o direito ao ócio se tornou tema inescapável no pós-pandemia

Um indício desse movimento é a discussão sobre a semana de trabalho de quatro dias, que já chegou ao Brasil

Por Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h24 - Publicado em 25 jun 2023, 08h00

Em 1932, o filósofo e matemático britânico Bertrand Russell (1872-1970) publicou um artigo — O Elogio ao Ócio — que caiu como uma bomba naquele período de desemprego em massa, no auge da chamada Grande Depressão. “Uma jornada de quatro horas diárias seria a solução para que as pessoas desfrutem um ócio satisfatório, podendo eleger o que mais concerne ao seu bel-prazer”, escreveu. “Trazendo para os dias de hoje, com nossa tecnologia industrial e computacional, haveria plenas condições de haver milhares de postos de trabalho para toda a população mundial.” Agora, em tempo de internet, na antessala da revolução anunciada pela inteligência artificial, o raciocínio de Russell soa ainda mais contemporâneo. Ele autoriza uma indagação, ou duas. Temos direito à pausa? Podemos transformá-la em algo produtivo?

Sim e sim, é o que autoriza responder a novíssima compreensão do tema. O ócio foi sempre uma preocupação — filosófica, sobretudo, porque no terreno das coisas concretas, do cotidiano econômico, soava como anátema. A pandemia, com a compulsória adoção do home office e, agora, do sistema híbrido, mudou o curso do rio, e a folga tornou-se tema sério. “O ócio planejado, seja com regras claras para toda uma equipe, seja com flexibilidade para cada um programar seus intervalos, virou demanda de profissionais e será vantagem competitiva de empresas arrojadas”, afirma Alexandre Teixeira, autor de O Dia Depois de Amanhã (Editora Arquipélago), livro que analisa as transformações no trabalho aceleradas pela pandemia e prevê um conflito entre conservadores e progressistas na criação de novos modelos organizacionais.

EXPERIÊNCIA - Teste com a semana de quatro dias: aumento de produtividade
EXPERIÊNCIA - Teste com a semana de quatro dias: aumento de produtividade (@4 Day Week Campaign/Facebook)

Um indício desse movimento é a discussão sobre a semana de trabalho de quatro dias, que já chegou ao Brasil. Pelo menos 400 empresas brasileiras já se cadastraram para participar de um projeto ancorado no grupo 4 Day Week Global, destinado a tirar uma jornada da labuta, porque todo mundo é filho de Deus. Os testes começarão em setembro. “O equilíbrio entre trabalho e vida pessoal é prerrogativa das novas gerações, cientes da relevância da saúde mental”, diz Gabriela Brasil, líder do braço brasileiro da 4 Day. “A semana de quatro dias oferece a oportunidade de manter e até mesmo aumentar a produtividade, enquanto aprimora o bem-estar dos funcionários.” Não é o caso de trabalhar mais, mas de trabalhar melhor, no vácuo do que fazem outros países, que criaram expressões para nomear o inédito momento (veja o quadro).

Recentes estudos demonstraram o sucesso da empreitada do ponto de vista dos negócios. Pesquisadores das universidades de Boston, Dublin e Cambridge acompanharam, em 2022, o cotidiano de 33 empresas dos Estados Unidos, Irlanda e Austrália que tinham abolido o suor de segunda a sexta. O resultado: as companhias envolvidas no levantamento divulgaram que suas receitas cresceram 8% durante o período do estudo, os níveis de sobrecarga caíram e o período de licença por doença diminuiu.

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arte ócio

Convém lembrar que o império da internet bagunçou o coreto do escritório, e já não é simples discernir o que é ócio e o que não é. No início do boom das redes sociais, as empresas costumavam proibir seu uso no ambiente de trabalho. Hoje, esses recursos foram completamente incorporados às culturas organizacionais. “Uma consequência evidente desse processo é a maior dificuldade de distinguir o que é tempo de trabalho e tempo de não trabalho”, diz o cientista social Alexandre Fraga, professor do Departamento de Sociologia da UERJ. “Parece se estar conectado 24 horas por dia, com o smartphone em mãos.”

A civilização ainda aprende a andar na moderna corda bamba. Já se intui que o vagar não pode mais ser o tabu de antes. Não será fácil — mesmo em tempo de tanto avanço tecnológico — fazer vingar o direito ao dolce far niente como ferramenta de crescimento profissional. Vale lembrar o comentário de um outro pensador, contemporâneo de Bertrand Russell, o francês André Gide (1869-1951): “Só nas horas de ócio se fazem coisas excelentes”. Saber que a questão andou por mentes poderosas amplia a relevância de um assunto que dá trabalho.

Publicado em VEJA de 28 de Junho de 2023, edição nº 2847

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