Televisores: os japoneses desembarcam do Brasil e os sul-coreanos lideram
Marcas da Coreia estão desbancando tradicionais empresas do Japão, mas já veem os chineses aparecendo na tela
Duas marcas japonesas de televisores, com as quais os brasileiros se familiarizaram ao longo de décadas, disseram adeus ao país. A Sony encerrou a produção em Manaus há quatro meses. A Panasonic anunciou o fim das operações neste mês. Ambas continuam em atividade com a oferta de outros produtos, mas, para elas, a era dos aparelhos de TV, pelo menos no Brasil, acabou. Uma análise precipitada pode levar à conclusão de que as multinacionais foram vítimas da conjuntura econômica local, mas isso está longe da verdade. Tanto uma quanto a outra estão desembarcando também de outros territórios — a Panasonic, por exemplo, desistiu dos Estados Unidos. Na verdade, a derrocada dos japoneses, outrora vistos como paradigmas de qualidade e inovação no setor, é apenas efeito colateral do triunfo de Samsung e LG, duas sul-coreanas que estão abocanhando fatias cada vez maiores do mercado global e se firmando como as novas donas da sala.
Diagnosticar mercados específicos é tarefa hercúlea, mesmo porque executivos evitam falar abertamente sobre o assunto, seja por respeito à concorrência, seja para não revelar aspectos cruciais da estratégia. No entanto, quando se examina a outrora líder Sony, percebe-se que ela perdeu o bonde quando se recusou a mudar, no fim do século passado, seu modelo de negócio baseado na compra de peças baratas da China e da Coreia do Sul para a subsequente montagem e venda de televisores a preços muito acima da média. Quando Samsung e LG se deram conta de que poderiam ser mais do que fornecedores, elas entraram na seara japonesa e, mesmo sem reputação à época, começaram a ganhar a briga dos televisores, oferecendo melhor preço com qualidade.
O horizonte ficou azul para os sul-coreanos assim que a classe média passou a acolher os dispositivos de tela fina, principalmente a de cristal líquido, conhecida pela sigla LCD. As novas donas da sala centraram fogo nos displays elegantes e assumiram a ponta de todas as melhorias que vieram na sequência, sobretudo no caso das smart TVs, que se conectam à internet por wi-fi ou cabo, permitindo acesso a aplicativos e aos serviços de streaming como Netflix, Disney+ e HBO Max, com milhares de horas de programação.
Se uma criança for perguntada se prefere um celular de última geração ou uma nova TV no quarto, é bem possível que ela opte pelo primeiro, mas isso não significa que o mercado global de smart TVs, ainda que 50% menor que o de smartphones, seja pouco atraente. Em 2020, mesmo em meio a uma crise sanitária, o segmento faturou 190 bilhões de dólares — número que, segundo a consultoria T4, poderá chegar a 278 bilhões de dólares em 2024. As vendas serão capitaneadas por telas cada vez maiores, de alta resolução e perfeita definição de imagem, capazes de abrir janelas para o mundo e até mesmo mudar o visual da casa. VEJA conversou com Erico Traldi, diretor da divisão de TV da Samsung Brasil, que acredita que, em pouco tempo, o consumidor brasileiro migrará das telas de 40 e 50 polegadas — hoje as mais vendidas — para as gigantes de mais de 65 polegadas. “Além do tamanho e da alta definição, nosso público quer aparelhos customizados, como os modelos verticais ou aqueles que simulam um quadro pendurado na parede, com moldura e tudo”, explica Traldi.
O investimento em pesquisa e desenvolvimento é um dos elementos que conferem vantagem competitiva à Samsung sobre seus concorrentes. Essa é a opinião de Rodrigo Catani, da consultoria AGR, que, no entanto, aponta um desafio para a empresa sul-coreana e todas as demais que atuam no setor: “Elas precisam combinar a inovação de produtos com preços compatíveis, atendendo todos os públicos, e não apenas os de alta renda”. Catani esclarece que, por se tratar de um mercado de escala, o volume de vendas é fundamental.
O vacilo da Sony tem suas origens prováveis na decisão estratégica de se posicionar como fornecedora de TVs premium, sem entregar a contrapartida em qualidade e inovação, o que minou seu diferencial. Correndo por fora, os chineses devem ter tirado muitas lições a partir da experiência de seus concorrentes, pois são eles que estão agora nos calcanhares dos sul-coreanos. Os números de participação de mercado de 2019 indicam que a TCL já desponta como a terceira potência do segmento, pelo menos em unidades vendidas. Ela tem forte presença nos Estados Unidos e, por aqui, está em sociedade com a brasileira Semp, que já foi parceira da japonesa Toshiba. Os deuses da televisão tiraram férias do Japão, mas, pelo jeito, não arredam pé da Ásia.
Publicado em VEJA de 25 de agosto de 2021, edição nº 2752