Rede de intrigas: as inovações e riscos da web 3.0, a internet do futuro
Ecossistema favorece negócios sem intermediários, mas abre brecha perigosa para enganações
No princípio, havia a web 1.0. Eram páginas estáticas, com pouca interatividade, representadas apenas por hiperlinks que levavam a outros endereços. Algum tempo depois, surgiu a web 2.0. Os desenhos se sofisticaram, permitindo aos usuários uma interação maior. Fizeram-se, então, as mídias sociais, estabeleceram-se os negócios virtuais e começou a coleta — e eventualmente a venda — de nossos dados pessoais. É nesse ambiente que navegamos hoje em dia na rede mundial. No horizonte, desenha-se um novo amanhecer com a web 3.0, um ecossistema supostamente mais democrático e descentralizado, com o objetivo nada disfarçado de tirar poder das chamadas grandes corporações tecnológicas, tais como o Google, o Facebook e o Twitter. Trata-se, em resumo, de favorecer negócios sem intermediários.
O fundamento desse novo mundo, a terceira geração, está no blockchain, um sistema que permite rastrear o envio e o recebimento de informações virtualmente a partir de uma chave única. É o meio pelo qual, atualmente, se realizam transações com criptomoedas e negociações de tokens não fungíveis, os NFTs, na sigla em inglês. As criptomoedas são criptografadas, não pressupõem uma autoridade central de emissão — um Banco Central, uma Casa da Moeda — nem outra regulação. Os NFTs são arquivos virtuais, seja um tuíte, uma foto, uma arte, um meme, seja outro objeto digital qualquer, garantidos por um código exclusivo de proprietário.
No Vale do Silício, o coração tecnológico dos Estados Unidos, analistas descrevem a web 3.0 como uma forma de tornar tudo um imenso negócio. Os altos valores alcançados por algumas criptomoedas, que agora parecem sofrer um declínio sem fim, e por alguns NFTs, como o avatar CryptoPunk 7523, uma arte digital que foi vendida por 11,7 milhões de dólares, confirmaram em parte essa hipótese e deixaram muita gente animada. Há, contudo, quem veja a generosa oferta de facilidades com cautela e certa dose de desconfiança.
Há esperança na web 3.0 com a janela aberta para que pessoas comuns ganhem dinheiro no ambiente on-line. Brotam, contudo, limitações. “Não haverá nichos econômicos suficientes, porque algoritmos e robôs farão boa parte do trabalho”, disse a VEJA o cientista da computação americano Jaron Lanier, que participou recentemente da conferência Brazil at Silicon Valley, em Mountain View. “Pode não ser caminho viável.” Lanier, conhecido por cunhar a expressão “realidade virtual”, aponta outro risco: a montanha-russa, colada a desvalorizações repentinas, além do risco de formação de pirâmides financeiras. É terreno de areia movediça, dado estar atrelado a ferramentas econômicas que aumentam de valor na medida da procura. “Facilita a ação de malfeitores, que poderão usar o ambiente livre para praticar todo tipo de crimes”, disse a VEJA o engenheiro de dados brasileiro Mat Velloso, consultor técnico do CEO da Microsoft, Satya Nadella.
Recentemente, brasileiros e argentinos quiseram manter a paridade com o dólar de forma artificial, pendurados em apostas virtuais, e não conseguiram. “Posso criar uma criptomoeda atrelada à moeda americana, mas não vou ter lastro para mostrar”, disse Velloso. As lições aprendidas no passado recente, como nesse episódio de controle artificial do câmbio, já fazem parte da curta história da terceira onda da internet. Convém estar atento, mas cabe uma reflexão: os obstáculos não podem anular os evidentes progressos alimentados pela tecnologia. A web 3.0 pode, sim, provocar quebradeiras — mas é instrumento fundamental na defesa da democracia, ao facilitar e promover a circulação de ideias.
Publicado em VEJA de 13 de julho de 2022, edição nº 2797