Pisadas high-tech: os incríveis avanços da nova geração de tênis
Tecnologias prometem dar mais estabilidade e facilidade para correr e até para frear na hora certa. Mas atenção: só não é mágica
Em outubro de 2019, o atleta queniano Eliud Kipchoge fez história ao percorrer os 42,195 da maratona abaixo da mítica marca das duas horas — o feito foi alcançado em Viena, na Áustria, em uma prova não oficial, com pista adaptada, cuidadosamente refrigerada, e mais de vinte corredores, os chamados “coelhos”, que puxavam o ritmo inacreditável do campeão. Naquele mesmo mês, Brigid Kosgei, também do Quênia, quebrou o recorde mundial feminino da modalidade. Além da nacionalidade, os dois atletas tinham algo mais em comum: usavam um inédito e vistoso tênis dotado de placas de carbono, em iniciativa a um só tempo de avanço tecnológico e marketing, é claro. O Nike Vaporfly trouxe um trunfo inédito à corrida — devolver a força da pisada aplicada no chão diretamente para o calcanhar, impulsionando os movimentos.
A inovação de materiais — controversa entre os puristas do esporte — esteve envolvida em quase todas as grandes vitórias em competições de longa distância desde 2016. E por um bom motivo: pesquisas revelam que o design de suas solas oferece aos corredores até 6% a mais de eficiência energética em relação aos concorrentes. O número parece tímido, porém ajuda a entender por que sete dos dez recordes masculinos (e quatro entre os femininos) em provas de corrida tenham ocorrido com o Vaporfly nos pés — ora, cada segundo numa competição profissional faz a diferença.
A boa notícia: a novíssima geração de calçados esportivos circula cada vez mais entre amadores, pessoas que gostam de se exercitar em busca de marcas pessoais. Quase todas as grifes de relevância têm novidades a oferecer para uma mania global, o jogging. A Puma tem um sistema de amortecimento com infusão de nitrogênio, o que confere, de acordo com a fabricante, “responsividade e extrema leveza para uma corrida mais prazerosa”. A entressola do modelo Deviate Nitro 2, o destaque da linha, combina a finura com placa de carbono e uma malha respirável, que inibe o suor e garante maior tração ao piso. “É decisivo o acesso à melhor tecnologia para que eu possa ter um desempenho de alto nível”, diz Letícia Oro, atleta brasileira que ganhou medalha de bronze em salto em distância no Campeonato Mundial de Atletismo de 2022.
As marcas nacionais também entraram em campo. No ano passado, a Olympikus lançou um calçado com placa de grafeno, um tipo de carbono levíssimo, flexível e resistente — o elemento é 300 vezes mais duro que o aço. Em maio, a grife apresentou o Corre Grafeno 2, versão aprimorada do modelo original. “Apesar de ser amador, consegui sentir o que os ídolos do esporte sentem. Nunca fiz um tempo tão bom antes”, diz Diogo Carvalho, que realizou o test-drive do modelo numa meia-maratona em Chicago, nos Estados Unidos. A criação, desenvolvida em parceria com cientistas da USP, “democratiza a alta performance”, segundo a Olympikus. Isso porque chega ao mercado por menos de 800 reais — similares importados podem ultrapassar os 2 000.
Em processo natural de evolução e aprendizado, a ciência dos pés se espalha — e já não se trata apenas de melhorias no asfalto. A Asics acaba de apresentar uma versão desenhada para as quadras de tênis. O Gel-Resolution 9, já usado por especialistas em duplas como Marcelo Melo e Laura Pigossi, é celebrado por supostamente oferecer capacidade superior de frenagem, ponto decisivo para a performance nas partidas. “Fora o amortecimento em gel na parte da frente e no calcanhar, o calçado tem uma nova tecnologia na região dos cadarços que proporciona melhor ajuste aos pés”, diz Daniel Costa, diretor de produtos da marca na América Latina. É fascinante, mas cabe uma observação: não se trata de mágica, e nenhum tênis high-tech substituirá empenho, habilidade e suor. Vale a velha e útil máxima: “No pain, no gain”, sem dor, sem ganho. Não há descoberta que mude essa premissa.
Publicado em VEJA de 7 de junho de 2023, edição nº 2844