Os anos instagramáveis
Sucesso desde que nasceu, em 2010, o Instagram foi a grande marca da década — mudou o cotidiano das pessoas, ávidas por sair bem em selfies
As décadas, quando terminam, ganham apelidos. Houve, por exemplo, os “anos loucos” (1920), os “swinging sixties” (1960), a “era disco” (1970) etc. Como serão conhecidos os dez anos entre 2010 e 2019 — ainda que os mais puristas digam que o novo decênio só começa mesmo em 2021? Um palpite, com grandes chances de colar: os “anos instagramáveis”. Não tem como escapar: em qualquer canto do planeta hoje em dia haverá alguém dando uma viradinha no torso, erguendo o celular acima da cabeça, ajeitando o cabelo, fazendo um beicinho (meninas) ou esboçando um sorriso (meninos) e clique — mais uma selfie toma o rumo do Instagram. Apresentado ao mundo em 2010 apenas para usuários dos celulares da Apple, o aplicativo gratuito de compartilhamento de fotos, com eventuais legendas curtas e possibilidade de edição com filtros divertidos, virou parte inextrincável da vida das pessoas — agora ampliado para todos os sistemas operacionais e capaz de produzir vídeos de no máximo quinze segundos, os stories de cada dia, hora ou minuto. Gente comum, bichos variados, artistas, políticos, até o papa Francisco — não há quem não tenha se tornado protagonista. “É um universo que se encaixa como luva na compulsão pela hipervisibilidade e na espetacularização do cotidiano, dois dos traços mais fortes da sociedade em que vivemos”, disse a VEJA o professor Alexandre Carauta, do laboratório de mídias digitais da PUC-RJ.
Pesquisas mostram que, entre os usuários de smartphone, 40% tiram cinco selfies por dia e animadíssimos 15% chegam a trinta — quase todas posadas e pensadas no conceito instagramável. Clicar e postar tornou-se um fator predominante no diagrama do dia a dia dos indivíduos. Ao escolherem o destino de uma viagem, ao imaginarem a decoração da casa, ao comprarem roupas e acessórios, a pergunta que vem à mente dos instagramers contumazes é: vai ficar bem na foto? Diferentemente do Facebook, feito para interagir entre amigos, o Instagram virou o elo que aproxima — ou, pelo menos, dá a impressão de aproximar — pessoas anônimas dos famosos, compartilhando, uns e outros, a casa, as crianças, o cachorro, as viagens, as festas. Fez mais ainda: deu ao público a chance de se tornar, ele mesmo, celebridade não da música, nem das artes, nem da novela — do Instagram.
A mania de selfies e de sua publicação desencadeou estudos sobre o narcisismo e a obsessão pela própria imagem e sua relação com o aumento de casos de ansiedade, depressão e baixa autoestima. “O maior problema é a ilusão criada na cabeça dos que acreditam naquele mundo cor-de-rosa, saem em busca dele e se frustram com a realidade”, diz Gabriela Dias, do ambulatório de psiquiatria infantojuvenil da Santa Casa de Misericórdia, no Rio. Ela mesma, porém, aponta o lado bom, que conheceu quando teve câncer de mama e passou a seguir perfis de outras mulheres com a doença. “Encontrei histórias inspiradoras que me ajudaram muito”, afirma. Para Michel Maffesoli, professor de sociologia da Sorbonne e um dos principais pensadores da cibercultura, a compulsão ao autoclique é uma forma de as pessoas se posicionarem. “Tem-se ali uma ferramenta para tornar visível a força invisível de um grupo”, explica.
O caso mais emblemático de criaturas do Instagram é o das irmãs Kardashian-Jenner: juntas, Kim, Kylie e Kendall somam mais de 420 milhões de seguidores e fizeram do compartilhamento de sua rotina um meio de vida. A caçula, Kylie, aos 22 anos a musa inspiradora das adolescentes que imitam seus recursos de edição para alcançar a imagem perfeita, é a celebridade que mais faturou no Instagram em 2019. A selfie virou um negócio tão sério que se tornou referência dentro dos consultórios médicos: de acordo com uma pesquisa da Academia Americana de Cirurgia Plástica, 55% das rinoplastias realizadas em 2017 tinham por objetivo mostrar um narizinho mais bonito na foto.
Três meses após ser lançado, o Instagram já contava com 1 milhão de usuários. Um ano depois, esse número subiu para 15 milhões. Em abril de 2012, quando a versão para Android apareceu, chegou a 30 milhões. Nesse ponto, o aplicativo foi comprado pelo Facebook por 1 bilhão de dólares — hoje vale 100 vezes mais e acumula 1 bilhão de usuários ativos por mês. A expectativa é que alcance o segundo bilhão em cinco anos. Até que venha outra onda a marcar um novo tempo. Já ouviu falar do Tik Tok?
Publicado em VEJA de 8 de janeiro de 2020, edição nº 2668