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O país que pedala

O uso de modos alternativos e mais sustentáveis de transporte nas cidades, em opção aos carros, só tem crescido. Saudável, a inclusão beneficia a todos

Por Luciana Nicola*
Atualizado em 4 jun 2024, 16h03 - Publicado em 21 dez 2018, 07h00

selo-retrospectiva-2018Desde a implantação do projeto Bike Itaú, em 2011, assistimos a uma grande evolução na mobilidade urbana das metrópoles brasileiras. As bicicletas públicas compartilhadas se mostraram ao longo desses anos importantes aliadas da população em seus deslocamentos diários. Exemplo disso foi o aumento da demanda durante eventos ou situações atípicas, como a greve de caminhoneiros, em maio, e, mais recentemente, em São Paulo, após a interdição parcial da Marginal Pinheiros devido ao rompimento da estrutura de um viaduto na região — em paralelo, registramos crescimento de 60% no uso das bicicletas na capital paulista.

Durante esse período, observamos uma retomada da bicicleta como opção de transporte. De acordo com pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) em 2017, mais de 70% dos ciclistas paulistanos já utilizam as duas rodas para locomoção há mais de três anos, com sua bicicleta ou por meio do compartilhamento.

“Testemunhamos a criação de um mercado de soluções para a mobilidade urbana. As bicicletas ajudaram a construir essa mentalidade”

Nosso projeto próprio registrou 20 milhões de viagens em suas praças de atuação nesses anos. Uma média de 2,8 milhões de deslocamentos por ano com as bicicletas no modelo de compartilhamento. Seja no Recife, seja em São Paulo, cada nova unidade das bikes laranja faz uma média de 7,1 viagens por dia. Somente no Rio de Janeiro, registram-se 10,8 trajetos por bicicleta diariamente. Contamos com 80 000 novos ciclistas cadastrados no sistema por mês.

Seguimos, assim, uma tendência global. Na empreitada temos a parceria da Tembici, empresa que se responsabiliza pela operação em dezesseis cidades brasileiras. Mas não só por aqui. A mesma iniciativa inclui projetos no Chile e na Argentina. Já a canadense PBSC Urban Solutions, fornecedora da tecnologia que possibilita o compartilhamento das bicicletas, conta com 60 000 unidades do tipo em trinta cidades de três continentes, permitindo viagens em metrópoles como Chicago, Londres, Montreal, Toronto e Guadalajara.

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O estudo do Cebrap revelou também que a principal motivação para começar a pedalar é o tempo reduzido de deslocamento nos trajetos. Em outras palavras, ciclistas consideravam gastar menos tempo no percurso feito de bike em comparação com os modais utilizados previamente por eles, como carros. A pesquisa ainda revela que 31% da população paulistana estaria disposta a adotar esse tipo de veículo em sua rotina. Esse mesmo porcentual sugere que melhorias na infraestrutura cicloviária e o maior estímulo à atividade física são os principais fatores que levariam à escolha pelo transporte.

Com a crescente demanda da população e as inovações tecnológicas surgidas na última década, testemunhamos a criação de um mercado de soluções para a mobilidade urbana. Esse cenário é sobretudo definido por um paradigma na maneira de pensar os modais de transporte, até então confinados ao conceito casa-trabalho e trabalho-casa. As bicicletas ajudaram, de forma pioneira, a construir essa nova mentalidade, ao contribuir com o modelo e servir de inspiração para iniciativas no setor econômico e na formulação de políticas públicas para a chamada micromobilidade — a forte tendência detectada nos últimos anos e que deve manter-se nos próximos.

“Em seus trajetos, 86% dos ciclistas raramente, nunca ou apenas às vezes se sentem irritados, o que sugere o impacto positivo do hábito em sua rotina”

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A micromobilidade nada mais é que os trajetos curtos realizados pelas pessoas para as ações do cotidiano, como ir à padaria, à farmácia, às compras ou simplesmente almoçar. Essas ações fazem parte de um universo de 46,7% de deslocamentos que não envolvem o ir e vir da casa para o trabalho e vice-versa, de acordo com a mais recente Pesquisa Mobilidade da População Urbana, da Confederação Nacional do Transporte (CNT). Tais percursos podem ser feitos de diversas maneiras: a pé, de bicicleta, patinete e carro compartilhado, entre outras, que são alternativas sustentáveis a meios que não deixam de ter seu papel, como o automóvel particular.

Diante disso, e com as mudanças proporcionadas por esse novo olhar da micromobilidade, estamos presenciando neste momento o surgimento de diversas opções com soluções mais ágeis e eficientes. Os avanços tecnológicos são centrais nesse movimento. A criação dos aplicativos de transporte, por exemplo, contribuiu para permitir ao usuário uma maior liberdade de escolha. Já virou rotina: se está chovendo, podemos pedir uma carona por aplicativo. Mais alternativas se apresentam. Se quisermos almoçar em um restaurante mais distante do trabalho, agora é comum que recorramos a uma patinete ou bicicleta. Quem quer percorrer parte do trajeto até o trabalho com carro próprio pode deixá-lo no estacionamento do metrô e terminar a última “perna” do caminho com uma bike alugada por meio dos serviços de compartilhamento. Se estivermos com pressa, há ainda os modelos elétricos de bicicleta, em ampla popularização.

No entanto, para garantir que essas escolhas sejam possíveis para todos, é fundamental preparar as cidades para o recebimento desses meios de transporte. No âmbito nacional, a política de mobilidade urbana instituída em 2012 estabeleceu marcos importantes nesse sentido, ao priorizar os investimentos em obras que favoreceram pedestres e modos de deslocamento alternativos, além do transporte público. Porém, atualmente se conta com apenas 3 000 quilômetros de rotas apropriadas às bicicletas nas capitais brasileiras. Amplificar essa estrutura é essencial. Inclusive para fortificar as ações que visam à redução dos altos índices de morte no trânsito. Estudo do Observatório Nacional de Segurança Viária apurou que 400 000 pessoas são afetadas por acidentes viários por ano, das quais 47 000 perdem a vida.

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Há ótimos exemplos, entretanto, de como é possível criar ambientes mais amistosos para a convivência dos distintos estilos de modal. A ciclovia da Avenida Faria Lima, em São Paulo, recebe diariamente uma média de 6 000 ciclistas. A via conta com uma estação de metrô e bicicletário público, além de diversas estações de ancoragem de compartilhamento de bikes, entre elas as duas maiores da iniciativa Bike Itaú. Trata-se, portanto, de um modelo que mostra quanto uma cidade pode ser mais eficiente para seus moradores.

Casos internacionais corroboram essa constatação. Nos Estados Unidos, cada vez mais cidades estão adotando o compartilhamento de bicicletas e a instalação de ciclovias para reduzir o uso de carros. Um exemplo é o Citi Bike, que opera desde 2013 com unidades disponibilizadas em estações espalhadas por Nova York. Além disso, deve ter início no próximo verão, na mesma cidade americana, a operação de bikes elétricas públicas, sob um sistema já disponível em São Francisco, na Califórnia.

Ao voltarmos a atenção para a micromobilidade, temos a oportunidade de valorizar modos ativos e sustentáveis de vida. O tema é importante e emergencial para melhorar a qualidade de vida no trânsito e na cidade. E também para a preservação do meio ambiente. Calcula-se que 1 620 toneladas de CO2 deixaram de ser jogadas na atmosfera com o uso das bicicletas do projeto do Itaú.

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Em acréscimo — aliás, como um dos principais fatores —, os efeitos positivos podem ser sentidos em cada indivíduo. Em relação a não ciclistas, aqueles que adotam esse modo de transporte como hábito diário apresentam índices melhores de bem-estar. Em média, os que optam pela alternativa relatam uma sensação de relaxamento e satisfação equivalente ao dobro da verificada na população geral de São Paulo. Em termos de saúde, a consequência é óbvia. A mesma pesquisa do Cebrap revela que os benefícios para a atividade física são claros. Além disso, 86% dos ciclistas raramente, nunca ou apenas às vezes se sentem irritados em seus trajetos. O que também sugere o impacto positivo do hábito em sua rotina.

Todavia, para que esse bom ritmo de mudança se mantenha, é preciso garantir a continuidade de projetos que visam a adaptar a malha urbana a todos os tipos de transporte. Para tanto, espera-se o comprometimento de municípios, estados e da esfera federal. Assim cada pessoa pode realmente escolher como quer se locomover pela cidade.

* Luciana Nicola, advogada, é superintendente de relações institucionais, sustentabilidade e negócios inclusivos do Itaú Unibanco, responsável pelas ações com bicicleta da empresa

Publicado em VEJA de 26 de dezembro de 2018, edição nº 2614

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