O desejo nostálgico por fitas cassete é o mais novo fenômeno retrô
Grandes nomes da música pop aderiram à onda
Era divertido, trabalho para horas a fio, mas era também desesperador quando aquela última canção não cabia mais no restinho de tempo da fita cassete — e dá-lhe a decepção no acabamento do presente para a namorada ou o namorado, naquela seleção que faria todo mundo dançar no bailinho, a balada daquele tempo, os anos 1960, 1970 e 1980. Com jeitinho, e a ajuda de um lápis sextavado, afeito a puxar daqui, puxar de lá, dava-se um jeito de então apagar a trilha indesejada para fazer caber. E não havia alegria maior do que gravar um programa inteiro de rádio — o rock da Fluminense FM, 94.9 no dial carioca, era o mais querido — e torcer para o locutor não falar nada, desmanchando os prazeres, estragando a peça que depois seria ouvida repetidas vezes no Walkman. Preparemo-nos, porque na trilha nostálgica, que sempre renasce em períodos difíceis da civilização, como este agora da pandemia, o K-7 voltou — e as sensações de antigamente estão aí à disposição. As estatísticas ecoam o crescimento de vendas das caixinhas.
No Reino Unido, tradicional reduto propagador de modismos musicais, a venda de cassetes passou das 157 000 unidades em 2020, maior teto desde 2003 — muito menos que o vinil, que bateu nos 4,8 milhões, e certamente menos que as músicas baixadas digitalmente, que representam 80% do mercado. Não é estatística avassaladora, evidentemente, mas indica um movimento interessante demais para ser desprezado. A campeã é Lady Gaga, com Chromatica, gravado especialmente para a antiga plataforma de rolinhos e oferecido em diversas cores, do branco ao rosa.
Os lançamentos fazem parte da estratégia das gravadoras de acenar ao passado com peças de memorabilia. O produtor musical João Marcello Bôscoli, 50 anos, tem uma coleção de fitas cassete. A maior parte é de fitas enviadas por compositores ao longo da sua carreira, mas também há trabalhos de artistas de hip hop e R&B. Há pelo menos dois anos Boscoli tem percebido o aumento da procura por essa família de produto de forma mais consistente. Uma das explicações é o comportamento dos fãs. “Mesmo no auge dos arquivos digitais, os artistas ainda vendem pôsteres, camisetas e outros produtos com seus nomes. Isso acontece porque o ser humano gosta do fetiche do ‘ter’, não quer só a memória etérea”, diz Bôscoli. “A fita cassete, assim como o vinil, faz parte desse contexto, porque é algo mais que se pode ter do artista, além de dar uma certa exclusividade para o fã”.
Atento a esse tipo de comportamento, há iniciativas empresarias recentes que fazem a roda girar. João Augusto, presidente da gravadora Deck e consultor da Polysom, investiu, em maio de 2018, na fabricação e no lançamento de trabalhos de seus artistas também no formato tape. Até então, a Polysom era especializada em LPs. Para pôr a ideia em pé, o empresário comprou e reformou antigas copiadoras e impressoras. No começo, o público era formado por pessoas familiarizadas com a antiga mídia, mas o empresário percebeu com o passar do tempo com novos consumidores. “Fomos alegremente surpreendidos com uma infinidade de jovens comprando e saboreando o formato”, diz Augusto. “Acredito que existam os nostálgicos, os curiosos e aqueles que simplesmente gostam do formato”.
Mas, afinal de contas, onde se ouve o cassete? O interesse movimenta o mercado de segunda mão nos sites especializados e em grupos de fãs do tape espalhados pela rede social. A própria Sony, que inventou o Walkman lá atrás, em 1979, pegou carona no fenômeno e lançou uma edição limitada (e novíssima) do aparelho. Do modelo original só sobrou a aparência. O modelo reproduz áudio em alta qualidade via Wi-Fi ou por meio de um dispositivo micro SD de armazenamento com capacidade de 64GB..
E, como sempre, ouvidos mais delicados e saudosistas renitentes alimentam uma briga: qual é o melhor som? Os nostálgicos do cassete e do vinil, e agora também dos CDs, que viraram história, costumam dizer que que as nuances das músicas, como eventuais acordes dissonantes, são suprimidas nas produções digitais, distribuídas por streaming. E a ausência do chiado — o “tape hiss” — incomoda os puristas. “Para quem gosta do black metal, vertente do heavy metal, é justamente essa sonoridade, o aspecto de algo mal gravado, com jeito de tosco, que atrai”, diz Gilberto Custódio Júnior, 43 anos, sócio Locomotiva Discos, loja localizada na região central de São Paulo, especializada em CDs, LPs e fitas cassete. “É a sonoridade mais quente, confortável, apesar da baixa fidelidade”. As fitas custam de 40 a 45 reais. Um LP, 120 reais. Um CD, 30 reais. Os fiéis das mídias antigas, sublinhe-se, são colecionadores que não renegam o avanço da tecnologia, que começou com o MP3, ganhou tração com o iPod de Steve Jobs e levou a serviços indispensáveis como o Spotify. Mas para os amantes do K-7, os mais fervorosos, toda essa modernidade não foi capaz de apagar os sons do passado. Eis a graça de conviver com o novo e o antigo, simultaneamente.
Publicado em VEJA de 27 de janeiro de 2021, edição nº 2722
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