Máquinas do sexo: cada vez mais internautas buscam conversas picantes com algoritmos de IA
O fenômeno já movimenta milhões de usuários e dólares
A liberação do “modo adulto” do ChatGPT pela OpenAI, prevista para dezembro, não é um evento isolado, mas sim o sintoma mais visível de uma tendência profunda e acelerada que está redefinindo as fronteiras entre humanos e máquinas. Ao permitir que usuários verificados e maiores de 18 anos solicitem interações de caráter erótico, a empresa rasga seu próprio manual de prudência e mergulha em território pantanoso. A decisão, porém, não cria um novo mercado. Legitima e impulsiona um fenômeno que já movimenta milhões de usuários e dólares: a busca por companheiros e companheiras virtuais alimentados por inteligência artificial.
O cenário atual é de efervescência e crescimento exponencial. Líder no segmento, a plataforma character.ai é um fenômeno, com mais de 100 milhões de visitas mensais. O Replika, um dos pioneiros e mais populares chatbots da chamada IA social, mantém um exército dedicado de 676 000 usuários ativos diários. E há muito mais, em evidente proliferação de centenas de aplicativos, como myanima.ai, Eva AI, Nomi.ai e Kindroid. Todos oferecem uma gama de companheiros românticos e sexuais altamente personalizáveis, desde o tom de voz até os traços de personalidade e interesses.
O que salta aos olhos, no entanto, não é apenas o número de usuários, mas a intensidade com que eles se envolvem nos relacionamentos digitais. O nível de engajamento é alto, pintando um quadro de uso frequente e arraigado no cotidiano. Cerca de 55% dos usuários interagem com sua “namorada IA” todos os dias. Em média, os usuários do Replika gastam cerca de duas horas diárias conversando com o companheiro virtual. Esse tempo não é de consumo passivo de conteúdo, mas de interação profunda e, muitas vezes, emocional.
A decisão da OpenAI, portanto, surge em um contexto já maduro. Especialistas enxergam a medida menos como uma inovação ousada e mais como uma jogada de mercado para não ficar para trás. “O que estamos vendo não é maturidade, mas permissividade”, afirma Arthur Igreja, especialista em tecnologia e inovação. “A OpenAI tinha padrões rígidos para vários temas, mas o mercado se tornou muito mais permissivo. A empresa entrou nesse jogo para não perder terreno.” Ferramentas como a Grok, de Elon Musk, e o próprio character.ai já haviam conquistado sua legião de fãs justamente por oferecerem experiências mais “humanas”, com linguagem solta, possibilidade de flerte e ausência de filtros rígidos, o que atraiu, em especial, o público mais jovem.
No entanto, essa migração da IA dos domínios da produtividade e da educação para o cerne da intimidade humana acende um sinal de alerta entre psicólogos e pesquisadores. A sexualidade e a construção de relacionamentos são, por essência, territórios de descoberta, vulnerabilidade e troca genuína. Envolvem desconfortos, improvisos, erros, sensibilidade social, leitura de nuances não verbais e, acima de tudo, o consentimento contínuo e negociado. A IA, em sua busca para agradar, oferece o oposto: uma “intimidade sem reciprocidade”, como define a psicóloga e pesquisadora Ilana Pinsky. “A pessoa sente que está numa relação humana, mas não está. Isso pode desanimar jovens de buscar vínculos reais, que exigem esforço, frustração e troca”, alerta ela.
O risco, aqui, vai além da solidão ou do isolamento. Reside na criação de uma ilusão pedagógica perigosa. Ao treinar suas habilidades emocionais e sexuais com um “parceiro” programado para nunca expressar limites, desconforto, rejeição ou desejos próprios, o usuário pode internalizar uma dinâmica relacional distorcida. A superfície lisa e obediente da IA reforça a fantasia narcísica de que o desejo do outro é sempre um espelho do próprio. É a antítese do que significa construir uma relação com um ser humano independente, que contrapõe, negocia e hesita.
A chegada do “modo adulto” ao ChatGPT não inaugura a fusão entre sexo e tecnologia — uma relação que existe desde os primórdios da internet. O que muda, e de forma dramática, é a fluidez e a discrição com que essa intimidade algorítmica começa a penetrar o cotidiano. Ela não chega mais através de sites explicitamente pornográficos, mas via conversa, no mesmo aplicativo usado para fazer lição de casa ou planejar uma viagem. A pergunta crucial que se coloca, portanto, não é mais se a IA deve ou não falar de sexo. A questão, muito mais profunda e inquietante, é o que estamos dispostos a perder — em termos de vulnerabilidade, crescimento mútuo e complexidade relacional — quando delegamos ao algoritmo um dos exercícios mais fundamentais e desafiadores da nossa humanidade: o de aprender a se relacionar com outro ser, em toda a sua imprevisível e maravilhosa imperfeição. Os tempos estão mudando.
Publicado em VEJA de 14 de novembro de 2025, edição nº 2970
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