Falso dilema: a controversa medida do Facebook para buscar mais usuários
A rede estuda maneiras de flexibilizar o combate à desinformação
Mark Zuckerberg, o bilionário americano fundador do Facebook, anda cada vez mais inquieto. Nos últimos anos, a rede social criada em 2004 esteve no centro de uma série de denúncias envolvendo combate ineficiente a notícias falsas, vazamento de dados para fins eleitorais e algoritmos prejudiciais à saúde dos jovens. O envelhecimento de seu público, o crescimento de concorrentes como o TikTok e uma inédita fuga de usuários puseram o grupo Meta e seus acionistas em alerta. Ter comprado o Instagram e o WhatsApp não bastou. Na esteira dos problemas, a empresa anunciou agora uma medida controversa, para dizer o mínimo. O Facebook solicitou a seu conselho de supervisão, um órgão regulador independente, a revisão de suas diretrizes sobre publicações que envolvam a Covid-19. Em vez de excluir os conteúdos falsos sobre a doença ou a vacinação, como vem fazendo desde 2020, a rede social quer manter as publicações, rotulando-as de fake news ou apenas rebaixando-as na classificação algorítmica. O chefe de assuntos globais da empresa, Nick Clegg, disse que busca “resolver as tensões inerentes entre liberdade de expressão e segurança”.
Como não poderia deixar de ser, as inesperadas e sombrias intenções do Facebook foram reprovadas por diversos especialistas. “Notícia falsa já é um paradoxo, pois notícia pressupõe confiabilidade”, afirma Felipe Parra, um dos coordenadores do projeto ECA-USP contra as Fake News, criado há dois anos. “Mesmo que o post venha com um aviso, muita gente não lê, não acredita ou até compartilha sabendo que é falso. Discurso negacionista mata e não deve ser reverberado.” Liberdade de expressão, insista-se, é uma “negociação” que não pode prejudicar outra pessoa ou ser usada como forma de ataque. “Mas a responsabilidade não é exclusiva das plataformas”, explica Luciano Maluly, professor da USP e idealizador do projeto contra as lorotas. “Nossa campanha mira a conscientização do receptor. Ele deve ter discernimento e não compartilhar algo que pareça suspeito, mesmo que aquilo valide suas crenças.”
Embora envelhecido, o Facebook ainda é a maior rede social do planeta: são quase 3 bilhões de usuários e valor de mercado de 500 bilhões de dólares. A plataforma, contudo, vem sofrendo abalos em sua reputação. Em 2018, o escândalo Cambridge Analytica revelou que o vazamento de dados de 87 milhões de usuários ajudou a direcionar anúncios políticos e influenciou as eleições americanas de 2016 a favor de Donald Trump. No ano passado, a ex-funcionária Frances Haugen levou ao Senado dos EUA documentos internos que denunciavam a “falência moral” da rede. “Os produtos do Facebook prejudicam as crianças, intensificam a divisão e enfraquecem a democracia”, discursou Haugen, citando algoritmos viciantes e afeitos à discórdia. Em sua última mensagem como funcionária, pouco antes de se tornar delatora, ela avisou: “Não odeio o Facebook, eu o amo e quero salvá-lo”.
Dos mais de 2 milhões de usuários que o Facebook perdeu em três meses, a maioria veio da Europa. O continente foi justamente quem mais endureceu suas regras relacionadas à internet. Em abril, o Conselho Europeu aprovou uma lei que determina que big techs como Meta, Google e Microsoft combatam conteúdos ilegais para tornar a navegação mais segura. Na ocasião, a vice-presidente da Comissão, Vera Jourova, disse que a guerra da Ucrânia, a pandemia e o Brexit aceleraram a repressão do bloco às notícias falsas. As normas passam a vigorar em 2024 e, caso não sejam cumpridas, podem levar a multas de até 6% da receita global das empresas.
Procurada por VEJA, a Meta listou boas medidas adotadas para combater a desinformação, como a exclusão de conteúdos que ponham em risco a saúde de seus usuários ou que interfiram no funcionamento de processos políticos, além de melhorias em seu sistema de detecção de denúncias. O grupo mantém um elogiado Centro de Operações para Eleições em parceria com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que prevê a remoção de ataques contra o pleito. Recentemente, a delatora Frances Haugen esteve em Brasília para uma audiência na Câmara dos Deputados na qual chegou a elogiar, com ressalvas, o Projeto de Lei 2630, conhecido como “PL das Fake News”, e disse que o país deve se inspirar na Europa para regulamentar as redes. O debate é quente e deverá ferver até a eleição de outubro.
Publicado em VEJA de 10 de agosto de 2022, edição nº 2801