Empresas aéreas investem em uma nova era de voos supersônicos comerciais
Quase duas décadas após a despedida do Concorde, o mercado volta a se aquecer
Em 21 de janeiro de 1976, o mundo assistiu com espanto ao embarque inaugural do Concorde, de Paris rumo ao Rio de Janeiro, com escala em Dacar, no Senegal. O Pássaro Branco, como ficou conhecido o jato operado por Air France e British Airways, foi o primeiro avião comercial da história a voar em escala supersônica, ou seja, acima da velocidade do som. O trajeto até o Galeão durou apenas seis horas, metade do usual. Durante décadas, não houve nada mais glamoroso do que voar de Concorde, regado a champanhe e caviar. O encanto, porém, foi se perdendo à medida que os custos de manutenção e das passagens subiam. Em 2003, três anos após um acidente que deixou 113 mortos na capital francesa, o Concorde deixou o mercado para entrar na história. Quase duas décadas depois, há agora uma dezena de projetos que visa a retomar a corrida supersônica na aviação civil.
A boa nova vem do Canadá. A fabricante Bombardier, uma concorrente da Embraer, anunciou que um protótipo de seu jato executivo Global 8000 fez um voo supersônico pela primeira vez, utilizando combustível de aviação sustentável (SAF, na sigla em inglês). No teste, o avião chegou a Mach 1,015, velocidade estimada em 1 080 quilômetros por hora. Mach é a unidade que representa a velocidade do som e pode variar de acordo com a temperatura do ar e a altitude. No nível do mar, o Mach 1 equivale a 1 235 quilômetros por hora. O jatinho da Bombardier custará a partir de 78 milhões de dólares e deverá entrar em serviço em 2025. Será, segundo a empresa, a aeronave executiva mais rápida do planeta, mas não voará em ritmo supersônico: o plano é chegar a Mach 0,94 (1 160 quilômetros por hora), metade do que fazia o Concorde — ainda assim, o suficiente para reduzir de sete para cinco horas um voo de Paris a Nova York.
Tempo é dinheiro e o Bombardier Global 8000 é apenas um dos projetos milionários em curso. Em 2021, a United Airlines agitou o mercado ao firmar a compra de dezessete jatos e revelar a possibilidade de incluir rotas supersônicas a partir de 2029. Um dos trabalhos mais consolidados é o da Boom Supersonic, empresa com sede no Colorado, nos EUA, cujo projeto Overture é financiado pelo grupo Virgin, do bilionário Richard Branson, um entusiasta dos céus que, em 2021, viajou ao espaço em seu foguete. O Overture deve seguir os moldes do Concorde: acomodar um número alto de passageiros (entre 65 e 88 pessoas) e voar acima de Mach 2. Novos testes devem ser realizados ainda neste ano.
Algumas empresas têm projetos mais ambiciosos. A Boeing trabalha há anos em um modelo hipersônico (ou seja, voos em Mach 5) e agora tem a concorrência da startup americana Hermeus, cujo avião Quarterhorse é desenvolvido junto à Força Aérea americana por 60 milhões de dólares. Houve algumas baixas significativas na disputa, como o colapso da startup Aerion, que anunciou seu fechamento no ano passado, meses depois de revelar planos para um avião Mach 4.
Há uma série de entraves tecnológicos e legais no ramo supersônico. Um deles diz respeito ao enorme estrondo provocado pela quebra da velocidade do som, que, só deve ocorrer acima de oceanos, não de cidades. Até hoje, apenas aeronaves militares experimentais não tripuladas chegaram a Mach 5. “Do ponto de vista tecnológico, certamente é viável e seguro”, diz Fernando Castro Pinto, professor da Escola Politécnica da UFRJ. “Mas tenho dúvidas de sua aplicação comercial. Haverá pressão social e até ambiental, por causa do preço alto dos combustíveis.” Segundo o especialista, o negócio tende a prosperar caso siga padrões ainda mais exclusivos que os do Concorde: “Imagino algo voltado a bilionários e visando a distâncias maiores, entre Estados Unidos e Ásia, por exemplo”. Um dos entusiastas da nova era é o piloto britânico Mike Bannister, de 73 anos. Após comandar a derradeira viagem do Concorde, cuja passagem custava 90 000 reais, ele viu a filha Amy, então com 10 anos, chorar de tristeza, pois sonhava em pilotar um supersônico. Ela cresceu, seguiu carreira e não desistiu. “Acompanhamos esses projetos com grande entusiasmo. Quem sabe um dia viajaremos juntos, eu e Amy”, disse Bannister a VEJA. O sonho supersônico está mais vivo do que nunca.
Publicado em VEJA de 8 de junho de 2022, edição nº 2792