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Como o game Among Us se tornou o predileto dos jovens

O jogo virou o mais badalado de 2020, o ano da pandemia — e passou até a ser usado como ferramenta política para atrair eleitores mais novos

Por Alexandre Senechal Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h37 - Publicado em 30 out 2020, 06h00

Um jogo simples e sem programação gráfica moderna, quase tosco, é um dos campeões de popularidade em 2020, o ano da pandemia. Lançado sem muito alarde em 2018, o Among Us (entre nós, em português) alcançou no terceiro trimestre a marca de mais de 100 milhões de downloads. Só mesmo quem não tem um smartphone, andou um tempo em Marte ou foi procurar água na Lua é que passou ao largo da brincadeira. Mesmo na opção paga (e mais completa), o sucesso é estrondoso. O game é o quarto na lista dos mais comprados pela plataforma de jogos Steam e o terceiro em tempo jogado nos últimos trinta dias, com quase 140 milhões de horas — atrás apenas dos imbatíveis Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO) e Dota 2, e à frente de clássicos como o Grand Theft Auto V (GTA V). A diversão recupera um passatempo da criançada da era analógica — o Máfia, também conhecido pelos nomes Assassino ou Cidade Dorme. A versão clássica poderia ser feita com um baralho de cartas ou até mesmo com sorteio, sem nada às mãos, para definir os papéis de cada participante. Os “mafiosos” ou “assassinos” eram responsáveis por matar os “cidadãos”. Estes, por sua vez, faziam uma votação ao final de cada rodada para tentar descobrir os vilões da partida. Em Among Us, tudo se dá em algum canto do espaço sideral, com naves à espreita. O objetivo dos tripulantes é identificar impostores e completar a tarefa ao redor de um mapa — já os impostores precisam eliminar os outros, simples assim. Com um detalhe: toda a movimentação de votos, a definição de quem é quem, culpado ou inocente, se dá em forma de chat por mensagens de texto. Ou seja: há distração “dentro” e “fora” do ambiente de disputa.

As cifras de Among Us eram tímidas até agosto. Ganhou extraordinária visibilidade quando alguns famosos, em exercício de autoestima, passaram a transmitir as partidas por meio de plataformas de vídeo como o Twitch e o onipresente YouTube. Neymar, é claro, deu as caras entre um treino e outro. O maior youtuber individual do mundo, o sueco PewDiePie, com 107 milhões de inscritos em seu canal, entrou firme na farra. O brasileiro Felipe Neto (palpiteiro em assuntos que vão da economia ao esporte) pegou carona — e então deu-se a disseminação irreversível, até que desponte outra mania no horizonte. Há de se reafirmar, para não perder o fio da meada, o papel decisivo da quarentena. No isolamento social imposto pela Covid-19, dentro de casa, um quarto da população mundial adotou videogames como entretenimento, o que significou uma disparada de 43% ante o mesmo período de 2019, em um processo de massificação sem precedentes. Os fabricantes dobraram os lucros em relação ao ano passado.

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(./.)

A lição que fica com o salto do Among Us: a simplicidade também é vencedora e nem sempre é preciso recursos complexos, digitalmente rebuscados para que um divertimento caia no gosto do mundo globalizado. “É um jogo muito fácil, que prende você”, resume Julia Quintas, atriz de 21 anos que joga com os amigos que fez na faculdade de teatro, virtualmente. Julia está entre os 60 milhões de pessoas do planeta que passam horas entretidos com o enredo diariamente. “O mais legal é jogar nas salas privadas com os amigos. Ele pede muita conversa e debate para enfrentar os desafios, e acabamos rindo ainda mais.”

Among Us, no entanto, tem uma peculiaridade que o leva para além da singeleza e do fenômeno passageiro. O fato de ser atraído por jovens eleitores (e não só crianças) fez com que se tornasse ferramenta política, em ano de eleições nos Estados Unidos e no Brasil. A deputada americana Alexandria Ocasio-Cortez protagonizou uma das lives com maior audiência na história do Twitch, com mais de 5 milhões de visualizações, jogando Among Us. A estratégia da congressista do Partido Democrata era se aproximar do público jovem e engajá-­lo a votar na legenda no próximo pleito do país. Guilherme Boulos (PSOL) e Arthur do Val (Patriota), candidatos à prefeitura de São Paulo de lados ideológicos opostos, também aderiram à onda, em lives que chamaram mais atenção pelo mau gosto nas ofensas aos adversários políticos do que pelo entretenimento. No game e na vida real, não é fácil descobrir quem é quem.

Publicado em VEJA de 4 de novembro de 2020, edição nº 2711

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