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Clicou e não postou: câmera analógica volta a seduzir público jovem

Cansados da instantaneidade das redes, eles descobrem um hobby que atrai pelo passo a passo artesanal e pela busca da foto única

Por Mafê Firpo Atualizado em 4 jun 2024, 11h21 - Publicado em 5 mar 2023, 08h00

De tempos em tempos, a humanidade se vê embalada por sentimentais mergulhos no passado, em sucessivos movimentos de nostalgia. O termo, aliás, foi criado por um médico suíço no século XVII, que via traços doentios no excessivo enaltecimento de outras eras, mas sua acepção foi mudando — e, segundo estudos modernos, ao revirar certos baús, os nostálgicos podem elevar o humor e estreitar conexões sociais. O mais recente dos itens antigos que vêm ganhando espaço entre as atuais gerações é a velha e boa câmera analógica, aquela que reinava antes dos modelos digitais, que, por sua vez, foram sendo ultrapassados pelos smartphones — hoje quase uma extensão natural dos braços de uma turma que nunca apertou um botão para tirar uma foto. “A fotografia analógica exige um envolvimento que contrasta com a instantaneidade das redes, justamente o que muitos jovens começaram a buscar”, observa o antropólogo Bernardo Conde.

O processo artesanal proporcionado pelos aparelhos analógicos vem encantando uma ala cansada com o infindável uso do celular e a dinâmica do clicar e postar. Ao resgatar câmeras que já acumulavam bolor no armário ou mesmo garimpá-las em feiras de antiguidade e na própria internet, as pessoas estão cultivando um passo a passo que requer atenção na hora do xis, ao contrário das fotos em série e mais mecânicas dos celulares, e traz um elemento-surpresa — elas só saberão depois da revelação como ficou. Como já dizia Andy Warhol, ícone-­mor da pop art americana, “a ideia de esperar por algo o torna mais especial”. Pois o ritual cativou o estudante Lucca Valor, 21 anos, que encontrou uma Deplá Motor 35 da avó e engatou no hobby. “Tenho a sensação de estar fabricando aquelas imagens e adoro o suspense sobre o resultado final”, diz.

A moda analógica reanimou um mercado que andava adormecido. Companhias como Kodak e Canon já paralisaram há anos a produção desses aparelhos e seguem assim, mas outro gigante, a japonesa Fuji, retomou a fabricação de filmes para abastecer câmeras que agora se avistam nas improváveis mãos dos mais jovens. Aparelhos de todas as datas, muitos dos anos 2000, estão sendo amplamente comercializados on-line. Na Amazon, despontam no rol das câmeras analógicas o modelo Ultra F9, da Kodak, e o Instax, esta uma versão da Polaroid, que, como ela, revela a foto na hora, em tradicional papel fotográfico. Os preços oscilam entre 300 e 1 000 reais, enquanto o filme de 36 poses sai em torno de 100 reais. “Mesmo com o dólar alto, que encarece os produtos, a garotada demonstra um crescente interesse”, afirma Victor Hugo Cabral, dono do Centro Foto Copa, que faz revelação e oferece “rolês analógicos” pelo Rio de Janeiro, onde neófitos e experimentados fãs da fotografia pré-smartphone saem às ruas clicando.

SOB NOVA DIREÇÃO - O primeiro clique: o estudante Bernardo Camargo (à esq.) e Victor Hugo (com o pai) saem às ruas atrás de imagens cujo resultado final só saberão depois
SOB NOVA DIREÇÃO - O primeiro clique: o estudante Bernardo Camanho (à esq.) e Victor Hugo (com o pai) saem às ruas atrás de imagens cujo resultado final só saberão depois (//Arquivo pessoal)

A estética das fotos que não passam pela edição dos filtros nem podem ser refeitas no ato, como no celular, agrada às gerações para as quais tudo isso é uma grande novidade. As imagens contêm imperfeições — um flash que estoura, um tremido — que acabam por proporcionar algo que essa parcela da população procura: um clique “autoral, original”. “Eu fico aguardando o melhor momento para apertar o botão, vou atrás do bom ângulo. É uma atividade intensa”, descreve o aluno de psicologia Bernardo Camanho, 21 anos, que se aproximou da fotografia por incentivo do pai e tem uma pequena coleção de máquinas de variadas eras. Especialistas detectam no retorno da modalidade analógica uma influência dos ventos pandêmicos, que imprimiram mudanças de hábitos em vários escaninhos da vida, fazendo com que as pessoas moderassem o ritmo. “Houve um claro movimento mundial na direção de uma existência menos frenética, mais calma”, explica Maria Cândida Vargas, doutora em ciências sociais da PUC-Rio.

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Como não podia deixar de ser nestes tão conectados tempos, o impulso para deixar, ainda que por uns poucos minutos, o celular de lado e aderir ao modo analógico ganhou força a partir da própria internet. Ali, famosos como as atrizes Bruna Marque­zine e Larissa Manoela e a modelo americana Kendall Jenner passaram a postar fotos captadas com as tradicionais câmeras, o que naturalmente incentiva os demais. “Uma figura conhecida com milhões de seguidores tem um amplo raio de influência para estimular qualquer tendência, como ocorre nesse caso”, diz o publicitário Alan Ceppini, do Grupo Alpes. A nostalgia vem tirando ainda o pó dos LPs, cujas vendas pela primeira vez superaram as de CDs na Inglaterra, e não para de se fazer presente na moda, que vem e vai no tempo resgatando conceitos de todas as épocas. Se depender das jovens gerações conhecidas por letras do alfabeto — Y, Z etc. —, tais fenômenos ficarão bem registrados para a posteridade na boa e velha versão analógica.

Publicado em VEJA de 8 de março de 2023, edição nº 2831

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