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“Saí da minha aldeia para salvar pessoas”

Jihan Zoghbi deixou um povoado de 500 habitantes no Líbano para se destacar no Brasil em inovações na área médica

Por Natalia Tiemi Hanada Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 21 jul 2025, 09h19 - Publicado em 19 jul 2025, 08h00

Eu nasci no Líbano em 1976 e, desde cedo, sempre me acharam uma criança prodígio. Com 2 anos e meio, já sabia escrever e falar árabe. Mas eu chorava para ir à escola — minhã mãe me mandava de fralda junto com os meus irmãos mais velhos. Quando fiz 4, na época da guerra, meu pai emigrou para a Colômbia. Depois seguimos eu, minha mãe e os meus irmãos mais novos. Lá, enquanto meus pais mantinham uma loja, ficava em casa cuidando dos caçulas. Tive que me tornar responsável e madura desde pequena.

Voltamos para o nosso país quando eu completei 7 anos. Foi nessa época que a escola orientou os meus pais a me colocar em outra instituição, porque eu já estava acima do nível das aulas. Eu realmente era muito boa em matemática. Quando morávamos em Kamed El Lauz, uma aldeia que tinha 500 habitantes na época, todas as minhas irmãs mais velhas casavam cedo. Como adorava estudar, o meu maior medo era casar. Por isso me dediquei até conseguir uma bolsa, e, aos 17, passei na Universidade Americana de Beirute, renomada no Oriente Médio. Fui uma das primeiras mulheres a sair da aldeia para estudar fora.

Consegui entrar na faculdade de medicina, como meus pais queriam, mas não gostava de biologia — gostava de matemática. Naquele tempo, havia poucas professoras de matemática na região e apenas elas podiam dar aulas para meninas. Como queria ajudar as pessoas ao meu redor, troquei a medicina pela matemática. No último ano da graduação, conheci um brasileiro e me mudei para o Brasil. Não falava português, mas o pai dos meus filhos me disse que havia faculdades “americanas” aqui.

Bom, cheguei ao Brasil e cadê a faculdade americana? Eu não tinha saído da minha aldeia para casar e ficar dentro de casa. Bateu aquele desespero e comecei a correr para aprender português, inclusive vendo novelas na TV. Em questão de três meses, passei na prova do vestibular e entrei no curso de ciência da computação. E aí veio meu primeiro filho. Ele nasceu quando eu estava no primeiro mês da faculdade. No início, as pessoas ao redor tinham preconceito. Eu era uma mulher que veio do Oriente Médio, usando aquelas roupas longas. Mas, quando fiz a primeira prova e tirei 10 em matemática, os outros alunos passaram a sentar ao meu lado para aprender comigo.

Nessa época, eu perdi um irmão que era um segundo pai para mim. Ele morreu de câncer aos 36 anos. Isso me fez pensar: “Não adianta eu ser boa em exatas e não aplicar esse conhecimento para ajudar as pessoas”. Depois que um professor me recomendou que eu estudasse na USP, consegui entrar em um mestrado lá. Decidi investigar modelos matemáticos para segmentar melhor tipos de tumores cerebrais. Depois, no doutorado, usei inteligência artificial para diagnosticar sepse, a infecção generalizada, por meio de exames de imagem. Veja, nos hospitais públicos, 60% dos pacientes morrem de sepse.

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No fim do doutorado, assumi a presidência da ABCIS, Associação Brasileira de CIO Saúde, e, em 2016, comecei a construir uma plataforma de imagens médicas em nuvem para hospitais de pequeno e médio porte. Era a Dr. Tis. Um pouco antes da pandemia, já havia a expectativa de que a telemedicina crescesse no país. Então comecei a fazer negócio com empresas desse ramo. Quando a legislação mudou e abriu caminho à assistência a distância no Brasil, já tínhamos nosso espaço entre médicos e hospitais.

Tivemos um case com o Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, e, a partir daí, não paramos de ganhar clientes. Crescemos 300% de faturamento. Mas o que define nossa operação é olhar para o lado humano da tecnologia. Quando me perguntam: “Qual é o diferencial de um bom empreendedor?”, respondo que ele precisa resolver uma dor da população, ter um propósito. Hoje sei que saí da minha aldeia para salvar vidas.

Jihan Zoghbi em depoimento a Natalia Tiemi Hanada

Publicado em VEJA de 18 de julho de 2025, edição nº 2953

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