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Reinfecções por Covid-19: quanto devemos nos preocupar com elas?

Especialistas divergem sobre quão ruim é ser infectado novamente e se a nova infecção causa Covid longa ou mudanças no sistema imunológico

Por Simone Blanes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 Maio 2023, 14h10 - Publicado em 5 Maio 2023, 12h46

Quando a pandemia de Covid-19 começou, no início de 2020, o vírus SARS-CoV-2 era um agente aterrorizante que mergulhou o mundo no caos. Agora, mais de três anos depois, momento em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou o fim da emergência global e boa parte da população está vacinada, percebemos que os sintomas da infecção se tornaram mais próximos aos de uma gripe comum.

Tanto que, de acordo com especialistas, assim como outras infecções respiratórias, é provável que todos sejamos contaminados pelo coronavírus e suas variantes mais de uma vez nas próximas décadas. Ou seja, é fato que a Covid-19 veio para ficar.

Sendo assim, além da própria doença e formas de evitá-la, combatê-la e tratá-la, temos de pensar em quanto dano as repetidas reinfecções podem causar e quanto devemos nos preocupar com elas, visto que a maioria da população mundial já foi infectada pelo menos uma vez, conforme estimativas oficiais da OMS. “Existem opiniões polarizadas por aí”, diz Danny Altmann, imunologista do Imperial College London, na Inglaterra.

Se um lado da comunidade científica argumenta que o SARS-CoV-2 é um vírus respiratório comum, especialmente para aqueles que foram vacinados, outros afirmam que a Covid-19 continua sendo uma incógnita e que cada reinfecção pode trazer danos – ou pelo menos mudanças – no sistema imunológico, com repercussões na saúde a longo prazo. Ambos os grupos estão armados com evidências.

Dados recentes de diversos países apontam, por exemplo, que as taxas de reinfecção variam de 5% a 15%, ou seja, são relativamente baixas. Mas espera-se que essa proporção aumente com o passar do tempo. A boa notícia é que, quando a reinfecção ocorre, o sistema imunológico parece preparado para responder. Em uma análise feita com jogadores, funcionários e familiares da Associação Nacional de Basquete dos Estados Unidos, os pesquisadores descobriram que os reinfectados eliminaram o vírus mais rapidamente – em cerca de cinco dias, em comparação aos sete dias da primeira infecção. “As pessoas que receberam uma dose de vacina entre a primeira e a segunda infecção eliminaram o vírus com mais rapidez”, afirma Stephen Kissler, pesquisador de doenças infecciosas da Harvard TH Chan School of Public Health, em Boston.

Outros estudos mostraram que as pessoas que apresentam sintomas mais brandos na primeira infecção provavelmente terão uma infecção subsequente menos arriscada do que a inicial. “À medida que você vai se reexpondo ao mesmo agente, a tendência das reinfecções é serem mais leves do que a primeira”, afirma Renato Kfouri, infectologista e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). “Exceto, é claro, entre as pessoas de grupos mais vulneráveis, como idosos e imunossuprimidos, que, além de terem chances maiores de reinfecção, não desenvolvem uma resposta imune que gere uma memória que muitas vezes os protejam”.

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Uma pesquisa feita na Inglaterra, que analisou 3,8 milhões de primeiras infecções e 14.000 reinfecções, por exemplo, descobriu que as pessoas tinham 61% menos chances de morrer no mês seguinte à reinfecção do que no mesmo período após a primeira infecção e 76% menos chances de serem internadas em unidade de terapia intensiva. Mas outro estudo realizado a partir de dados do National Covid Cohort Collaborative, nos Estados Unidos, mostrou que, embora a grande maioria dos reinfectados tenham doença leve, as pessoas que tiveram a forma grave na primeira infecção também a desenvolveram na segunda: 30% acabaram voltando ao hospital. “Elas devem ter algum grau de preocupação”, diz Richard Moffitt, bioestatístico da Emory University School of Medicine em Atlanta.

Superimunes?

Outro documento sobre reinfecção que atraiu muita atenção analisou os registros eletrônicos de saúde do Departamento de Assuntos de Veteranos dos EUA no ano passado. No banco de dados, os pesquisadores encontraram quase 500.000 pessoas que foram infectadas pelo SARS-CoV-2 uma vez e cerca de 41.000 que tiveram duas ou mais infecções confirmadas. Comparando-as, os pesquisadores perceberam que as reinfecções eram poucas. “As pessoas começaram a se referir a esses pacientes como ‘superimunes’”, conta Ziyad Al-Aly, epidemiologista da Escola de Medicina da Universidade de Washington em St. Louis, que questionou se uma segunda infecção seria importante para esses indivíduos.

O estudo mostrou que sim. “Claro que ter Covid nunca é bom. Muito menos ter mais de uma vez qualquer doença, de maneira geral. Mas a melhor imunidade construída ao longo do tempo parece ser a que chamamos de híbrida, que é a exposição prévia mais a imunidade pela vacina. Essa, sem dúvida, pelos estudos, é a que demonstra ser a melhor proteção adquirida”, explica Kfouri. “Para os grupos mais vulneráveis, porém, sempre vai faltar competência imunológica para responder a quaisquer infecções, à primeira, à segunda, à terceira, com três, quatro ou dez doses de vacina.”

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Mas o fato de que cada nova infecção de Covid-19 traz algum risco não surpreendeu Al-Aly. O que veio como uma revelação é que os riscos associados à reinfecção se estendem além da fase aguda. Mesmo seis meses após a reinfecção, os pesquisadores encontraram um risco excessivo de resultados como doenças cardíacas, problemas pulmonares, diabetes, fadiga e distúrbios neurológicos. “Se você se esquivou da bala na primeira vez e não teve Covid longa, na reinfecção você ainda pode ter”, afirma Al-Aly.

Covid longa

Dados mais recentes do Escritório Nacional de Estatísticas do Reino Unido, no entanto, sugerem que o risco de Covid longa – quando os sintomas persistem por pelo menos seis meses após a infecção – diminui com a recidiva. Os adultos tiveram um risco de 4% de desenvolver Covid longa após uma primeira infecção e 2,4% após uma reinfecção. No Brasil, esse problema também diminuiu. “Hoje, a gente vê menos Covid longa nas reinfecções, por exemplo. A reinfecção é menos grave no sentido de impacto de longo prazo”, afirma Kfouri.

Já para pessoas que já têm a Covid longa, a reinfecção parece potencializar os sintomas. Em uma pesquisa com quase 600 pessoas com Covid longa, realizada pela instituição de caridade Long Covid Kids & Friends, no Reino Unido, 80% relataram que a reinfecção piorou pelo menos alguns de seus sintomas. Apenas 15% relataram que não sofreram impacto pela reinfecção em seus sintomas.

Alterações no sistema imunológico

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Há outra razão pela qual alguns cientistas pensam que vale a pena evitar uma infecção por SARS-CoV-2 – seja a primeira, a segunda ou a terceira: mesmo casos leves de Covid-19, a doença pode causar danos duradouros ao sistema imunológico, o que pode tornar as pessoas mais suscetíveis a outros tipos de infecção. Isso foi apresentado como uma explicação para o aumento de casos de gripe e outras doenças respiratórias no Hemisfério Norte.

Muitos imunologistas, no entanto, dizem que faltam evidências para essa hipótese. As anormalidades imunológicas parecem acompanhar a Covid longa e perdurar após casos graves de Covid-19, mas, para a maioria das pessoas que se recuperaram, não há sinal de que o vírus cause uma deficiência imunológica permanente ou duradoura.

De acordo com especialistas, apenas alguns vírus têm a capacidade de suprimir o sistema imunológico, caso do HIV, que infecta e destrói as células imunes, como as células T, deixando as pessoas mais vulneráveis ​​a outros tipos de infecção; e o sarampo, que contamina as células da memória imunológica, tornando-as alvos de destruição e levando o sistema imunológico a esquecer os patógenos que encontrou anteriormente.

Um artigo publicado no início deste ano, no entanto, levantou preocupações comparando as células T de pessoas em três grupos: aquelas que foram infectadas com SARS-CoV-2, mas não foram vacinadas; aquelas que foram vacinadas, mas nunca infectadas; e aquelas que foram infectadas e depois vacinadas. Os pesquisadores observaram diferenças marcantes no número e na atividade das células T assassinas, que procuram e destroem as células infectadas. No grupo que foi infectado e depois vacinado, a vacina provocou uma resposta de células T assassina mais fraca do que no grupo que havia sido vacinado, mas nunca infectado. Isso é motivo para preocupação, segundo os autores, porque pode significar que as pessoas são vulneráveis ​​a infecções repetidas ou a outros problemas de saúde, mesmo tendo sido vacinadas.

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Marc Veldhoen, imunologista da Universidade de Lisboa, não concorda com a descrição dessas mudanças como disfunção imunológica ou desregulação. “Muito do que esses artigos descrevem é o final de uma resposta fisiológica normal a uma nova infecção”, diz ele. Grosso modo, o SARS-CoV-2 “se comporta como todos os outros vírus com os quais estamos familiarizados”, diz ele. “Não descobrimos algo mágico sobre esse vírus.”

Muitas dessas perguntas podem nunca ser totalmente respondidas. Mesmo quando as reinfecções se tornam mais comuns, elas ficam mais difíceis de rastrear, pois os testes para Covid-19 tendem a diminuir. Além disso, o cenário da imunidade está se tornando cada vez mais complexo. As pessoas variam de acordo com o número e o tipo de doses de vacina que receberam, se foram infectadas com qual variante e o momento de cada exposição. Quaisquer que sejam os riscos, porém, a Covid-19 é uma realidade que veio para ficar. “É bom frisar que nada impede que surja uma outra variante que escape do sistema imune, mas é pouco provável. A tendência é que a Covid-19 continue evoluindo dessa maneira e seja tratada como outras doenças, como a gripe, mas tudo merece observação”, finaliza Kfouri.

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