CoronaVac entra na fase final e tem pelo menos 50% de eficácia
Fármaco da chinesa Sinovac com o Butantan está perto da aprovação; São Paulo mantém 25 de janeiro como data de início da imunização
Pouco ou nada era conhecido no Brasil e no mundo sobre a farmacêutica Sinovac, de Pequim, quando os maiores laboratórios internacionais empreenderam uma corrida para desenvolver vacinas contra a Covid-19. Enquanto gigantes do setor como a Pfizer e a Johnson & Johnson tentavam encontrar a fórmula do imunizante, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, mantinha contato direto com cientistas chineses que conhecera durante uma viagem ao país asiático em 2019. Por influência de Covas, o governo de São Paulo desembolsou 90 milhões de dólares e fechou, em junho, uma parceria com a Sinovac para desenvolver a CoronaVac e viabilizar a produção de doses, dando início em seguida às fases de testes clínicos com milhares de voluntários no Brasil. Passados seis meses, conforme atestam de forma quase unânime os especialistas, incluindo os não envolvidos diretamente no projeto, esse é o produto que apresenta a maior chance de ajudar o Brasil a iniciar a curtíssimo prazo uma campanha de erradicação da pandemia.
Na tarde da última quarta, 23, o governo paulista divulgou que a vacina tem, no mínimo, 50% de eficácia. A taxa exata, no entanto, só será conhecida nas próximas semanas. Se não houver mudança de estratégia para o registro da CoronaVac, o Butantan irá disparar simultaneamente dois pedidos de aprovação: um para a Anvisa e outro em direção à National Medical Products Administration (NMPA), a agência regulatória chinesa. No caso da Anvisa, a previsão é que a análise emergencial demore dez dias úteis. Mas se o órgão extrapolar no prazo, o governo paulista recorrerá a um dispositivo que obriga a Anvisa a dar um aval em até 72 horas às vacinas aprovadas por agências reguladoras internacionais da China, dos Estados Unidos, do Japão e da União Europeia. Estima-se que o sinal verde da NMPA vai ser dado em até três dias após o pedido de aprovação do Butantan.
Embora ainda seja preciso enfrentar esse ritual burocrático e decisivo, o governo paulista mantém a previsão de começar a vacinação em 25 de janeiro. No Palácio dos Bandeirantes a avaliação é de que não ocorrerá nenhuma nova trombada com a Anvisa, que cancelou de forma polêmica os testes da fase três da CoronaVac por dois dias, a pretexto da morte de um voluntário (descobriu-se depois que o caso era de suicídio). O otimismo aumentou na segunda passada, 21, quando a Anvisa divulgou relatório aprovando uma inspeção feita por técnicos do órgão junto à Sinovac.
O primeiro acordo assinado com a Sinovac previa o fornecimento de insumos para o Butantan produzir 40 milhões de doses da vacina, além do envio de 6 milhões de doses já prontas para uso. O governo paulista afirma que receberá até o fim do ano 10,8 milhões de doses de todo o montante acordado. E, segundo o Butantan, a previsão é que sejam produzidos 100 milhões de doses até o fim do primeiro semestre de 2021. A prioridade é atender à demanda nacional, mas o instituto está em contato com outros países para exportar o excedente dos imunizantes, como é o caso da Argentina. No mundo, a CoronaVac já vem sendo aplicada de forma emergencial na China e passa por testes na Turquia e na Indonésia.
Por ora, o governo federal insiste em enviar posicionamentos difusos sobre a inclusão da CoronaVac no plano nacional de vacinação. Diretores do Butantan afirmam que receberam uma sinalização do Ministério da Saúde de que um contrato está em formulação para oficializar a compra dos 46 milhões de doses que poderão ser entregues num primeiro momento. Como Bolsonaro continua fazendo críticas ao imunizante, o governo de São Paulo exigirá que o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, assuma um compromisso público de caráter irrevogável para adquirir o produto.
Diante da indefinição do governo federal, o Butantan firmou termos de compromisso com mais de 1 000 municípios e com catorze governos estaduais para garantir a distribuição da CoronaVac se o imunizante não for incluído no plano nacional de vacinação. Até aqui, o Ministério da Saúde assinou um memorando para comprar 70 milhões de vacinas da farmacêutica Pfizer (falta concluir o negócio, o que não havia sido feito até a manhã do dia 23). O governo federal firmou também uma parceria para produzir no país o imunizante da AstraZeneca, desenvolvido pela Universidade de Oxford, mas a estimativa é que a vacina só estará disponível em fevereiro. Está garantida a produção inicial de 100,4 milhões de doses, em parceria com a Fiocruz, no Rio.
No mundo, mais de 2 milhões de pessoas já foram vacinadas com os produtos da Pfizer e da Moderna. As campanhas de imunização tiveram início num momento crítico. Uma variação do vírus, com maior velocidade de contágio, foi descoberta há poucos dias no Reino Unido. A mutação não foi diagnosticada no Brasil, mas a elevação de internações e mortes voltou a preocupar os infectologistas. O cenário exige que o país recupere o atraso na estratégia de imunização e na compra de vacinas. A aprovação rápida do primeiro produto capaz de frear a disseminação do coronavírus representará um grande passo nesse sentido.
Publicado em VEJA de 30 de dezembro de 2020, edição nº 2719