O novo tratamento que promete dar fim ao drama dos pesadelos
Terapia reduz a frequência dos sonhos aterrorizantes e acaba com os prejuízos que eles causam na vida social, afetiva, profissional e escolar de muita gente
Os pesadelos não são apenas “sonhos intranquilos” como os citados nas primeiras linhas de A Metamorfose, clássico do escritor checo Franz Kafka (1883-1924), quando o personagem Gregor Samsa desperta transformado em inseto. Eles causam medo e acordam o infeliz sonhador de supetão, ofegante e banhado em suor, como nas cenas de filmes de terror. Todos têm sonhos ruins, mas a literatura científica aponta que ao menos 4% dos adultos os apresentam em sua forma crônica, estabelecida quando há dois ou mais episódios semanais.
Com a pandemia de Covid-19, aumentaram os relatos de quem passou a conviver com essas perturbações. Apenas no Brasil, revela um estudo publicado na revista Frontiers in Psychiatry, a ocorrência quase triplicou, passando de 9% para 25% em 2020. Em meio à ascensão de casos, pesquisadores suíços anunciaram uma solução promissora contra a angústia noturna. Trata-se, a rigor, de “treinar” o cérebro para imprimir imagens e sensações positivas aos sonhos. No método, sinais sonoros são disparados em momentos precisos.
Os sons foram acionados nos ouvidos de pacientes adormecidos que tinham entrado na chamada fase REM (rapid eyes movement, em inglês, o movimento rápido dos olhos), etapa na qual os sonhos acontecem, inclusive os aterrorizantes. Dessa forma, seria como se a mente fosse avisada, como um grito de alerta, de que os pesadelos poderiam surgir e, portanto, era hora de acionar a tática de dar a eles cores menos sombrias. “Tivemos a ideia de que poderíamos ajudar as pessoas a manipular as emoções em seus sonhos”, diz o psiquiatra e autor do estudo, Lampros Perogamvros. O estímulo sonoro, dado no tempo certo, foi feito por meio do uso de uma faixa na cabeça com sensores capazes de detectar a entrada na etapa REM. Além da redução no número de eventos incômodos, os dezoito voluntários submetidos ao tratamento apresentaram maior quantidade de sonhos associados às emoções positivas em comparação aos outros dezoito que não foram submetidos a cuidados especiais. Os benefícios se mantiveram por até três meses, com pesadelos minimizados. “Os cientistas suíços nos mostraram uma maneira de aumentar o sucesso da terapia”, diz a médica Dalva Poyares, do Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo. É um avanço extraordinário e promissor dentro de uma área de estudos que tem dado saltos exponenciais.
Experiências como guerras e atentados, responsáveis por quadros de estresse pós-traumático, costumavam nortear os estudos sobre os pesadelos. No entanto, com o crescimento da violência urbana, conviver com o distúrbio virou uma realidade mais próxima da população. Isso obrigou os estudiosos a ampliar a oferta de recursos de modo a revisitar os pesadelos recorrentes e dar a eles novos significados com versões menos tensas, menos assustadoras. Em sua forma crônica, os pesadelos têm o mesmo poder destrutivo para a saúde mental e física de outros distúrbios do sono, como a apneia. O humor piora, a concentração diminui, o raciocínio fica prejudicado, a disposição, escassa e, dependendo da gravidade, existe reflexo na produtividade profissional e escolar.
Investiga-se, ainda, se a alta frequência desses sonhos perturbadores na meia-idade, com quatro ou mais episódios por semana, estaria associada às demências nas décadas seguintes. É uma possibilidade. Até hoje não se conseguiu desvendar o processo cerebral que culmina nesses momentos assustadores durante o sono experimentados por todos. Sabe-se, somente, que ninguém está livre de tê-los e que, na sua maioria, eles trazem à mente imagens e sensações terríveis de ameaças à segurança e à sobrevivência, medos primordiais e universais da humanidade. Os gatilhos são diversos. Insônia, estresse, hábitos irregulares de sono, exposição a conteúdos agressivos, abuso de telas, uso de medicações, inclusive ansiolíticos e antidepressivos, e o consumo de álcool estão entre eles. Ou, como disse a pintora mexicana Frida Kahlo (1907-1954), de telas surrealistas e multicoloridas, algumas pesadas mesmo, “não pinto sonhos ou pesadelos, pinto minha própria realidade”. Contudo, como nos mostra a ciência, o alívio efetivo está a caminho.
Publicado em VEJA de 16 de novembro de 2022, edição nº 2815