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Os bastidores das negociações por compra e venda de vacinas no Brasil

Foram obtidos só 4% do que se necessita para imunizar a população. O risco de ficar sem o antígeno fabricado no país parece ter incomodado o governo

Por Tatiana Farah, Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h06 - Publicado em 29 jan 2021, 06h00

O empresário Fernando de Castro Marques ganhou uma notoriedade fugaz nas eleições de 2018 por ser o candidato mais rico na disputa, com um patrimônio de 668 milhões de reais. Ele tentou uma vaga ao Senado no Distrito Federal pelo Solidariedade, mas ficou em nono lugar. “Foi muito de última hora. Para quem nunca tinha sido candidato, tive 125 000 votos. Mas esperava um pouco mais”, diz ele a VEJA, sem esconder que o sonho de vencer na política ainda continua. Marques volta agora ao noticiário, mas em outro contexto. Recebe telefonemas e visitas de governadores em busca daquele que se tornou o produto mais cobiçado na pandemia: a vacina contra a Covid-19. E não é para menos. Dono da farmacêutica União Química, ele é o homem que pode oferecer ao Brasil 150 milhões de doses ao ano do imunizante russo Sputnik V, a metade do que o país prevê no Programa Nacional de Imunizações (354 milhões).

EXPORTAÇÃO - Argentina: o país pode receber imunizante russo feito no Brasil -
EXPORTAÇÃO - Argentina: o país pode receber imunizante russo feito no Brasil – (Marcos Brindicci/Getty Images)

Se o caminho eleitoral foi até agora breve e sem sucesso, não se pode dizer o mesmo de sua trajetória empresarial. A União Química, que começou com a aquisição do laboratório Prata por seu pai, em 1970, tem hoje oito fábricas e 6 480 funcionários. No ano passado, o grupo entrou no promissor mercado das vacinas contra a Covid-19 ao firmar acordo com o Fundo de Investimentos Diretos da Rússia, controlador da Sputnik V. A tentativa de vender o imunizante no país, porém, começou mal: o pedido de uso emergencial foi devolvido no dia 17 de forma sumária pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) porque a farmacêutica não cumpriu um requisito essencial: executar os testes da fase 3 no Brasil. Quatro dias depois, a agência e a companhia sentaram para discutir as pendências. Segundo Marques, se a sua produção não tiver mercado no Brasil, será vendida a países como Argentina, Paraguai, Venezuela e Bolívia, onde o uso emergencial do fármaco foi aprovado.

O risco de ficar sem o imunizante fabricado no país parece ter incomodado o governo. Na segunda-feira 25, o número 2 do Ministério da Saúde, o secretário executivo Elcio Franco, enviou ofício à empresa no qual relata que “está disposto a formalizar tratativas comerciais para a eventual aquisição de lotes do imunizante de forma a aumentar o mais brevemente possível a oferta à população”. A pasta tem pressa porque teve à disposição até agora só 12 milhões de doses, algo em torno de 4% do que espera para imunizar a população. O país tem acordos com a AstraZeneca/Oxford/Fiocruz e com a Sinovac/Butantan para receber quase 150 milhões de doses até o fim do semestre, mas a produção esbarra na falta de insumos vindos da China.

O governo, porém, nem sempre teve essa pressa. Carlos Murillo, CEO no Brasil da Pfizer, tenta vender 70 milhões de doses desde agosto passado. No sábado 23, o ministério, enfim, reconheceu em nota que foi procurado, mas que descartou por temer frustrar os brasileiros, já que apenas 2 milhões de doses seriam entregues no primeiro trimestre — a mesma quantidade liberada pela Índia na semana passada, porém, foi celebrada pela pasta. Em várias oportunidades, o presidente Jair Bolsonaro criticou o contrato oferecido porque uma cláusula isentava a empresa de responsabilidade por efeitos colaterais, condição que foi aceita por quarenta países. Com todo esse clima, Murillo — um chileno de 45 anos que comanda a filial no Brasil desde 2017 — tem evitado falar com a imprensa. Em nota, a companhia diz que “segue negociando um possível acordo com o governo”.

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CPI da Covid ouve representante da Pfizer nesta quinta-feira
SILÊNCIO - Murillo: após frustração, a Pfizer continua negociando contrato – (Claudio Gatti/.)

Em meio às dificuldades do poder público para comprar vacinas, a iniciativa privada tenta se virar como pode. Um grupo de empresas teve avalizada pelo governo uma proposta para a compra internacional de 33 milhões de doses da AstraZeneca para imunizar funcionários. A contrapartida seria que, a cada dose, metade iria para o sistema público. Infelizmente, a farmacêutica descartou a negociação dizendo que seus compromissos são com entes públicos com os quais assinou contrato. A Pfizer, igualmente, recusou iniciativas desse tipo. Mas a ideia pode ser retomada no médio prazo. O Grupo Dasa, que reúne trinta laboratórios de medicina diagnóstica no país, afirma que a compra pode ocorrer “após as negociações com a esfera pública serem encerradas”. “A empresa só seguiria nesse caminho se fosse de interesse da população e avalizado pelo Ministério da Saúde e Anvisa”, afirma a Dasa em nota.

No fim de dezembro, no momento em que o país debatia sobre quando teria vacinas, Bolsonaro disse que as farmacêuticas é que deveriam bater às portas de sua gestão porque o Brasil é “um mercado consumidor enorme de qualquer coisa”. Foi o que ocorreu com a Pfizer e a Sputnik e está ocorrendo com a CoronaVac — na quarta-feira 27, o diretor do Butantan, Dimas Covas, disse que o governo demora para confirmar um segundo contrato para 54 milhões de doses (há um em vigor, para 46 milhões) e ameaçou procurar outros clientes. “Se o Brasil declinar, vamos priorizar os demais países com quem temos acordo”, declarou. Enfim, há demanda e há gente interessada em vender. Falta o governo se mexer.

Publicado em VEJA de 3 de fevereiro de 2021, edição nº 2723

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