Novos estudos revelam a boa relação entre cafeína e atividades físicas
Mas convém, como tudo na vida, não exagerar, porque há risco de efeitos colaterais
Não há droga psicoativa — droga, sim — mais disseminada no mundo, e devidamente legalizada, do que a cafeína. Ela está presente nas três bebidas mais consumidas do planeta: café, chá e Coca-Cola. Sobrevive na cultura de quase todos os povos como fiel companheira da civilização. Lá atrás, no imaginário coletivo, andava sempre acompanhada de um cigarro — até que o fumo fosse inapelavelmente condenado. Depois de séculos de prazer, apenas em 1819 seria identificada em laboratório pelo bioquímico e médico alemão Friedlieb Ferdinand Runger (1794-1867), influenciado por um amigo, o escritor Johann Wolfgang Goethe (1749-1832). Runger nomeou as moléculas de cafeína presentes nas sementes de café e associou o grão a propriedades estimulantes — que foram a todo momento intuídas, sobretudo por quem sempre trocou o dia pela noite, mas que somente a partir dali passaram a ser catalogadas. E então a ciência começou a entender o que Goethe, amante do líquido escuro e quentinho, certa vez disse com a grandeza dos grandes pensadores: “Um homem é o que lê, come e bebe na vida. Logo deve escolher a melhor leitura, a melhor comida e a melhor bebida… o café”.
Há, agora, para coroar dois séculos de investigação e interesse, uma extraordinária novidade. Estudos recentes mostram que a cafeína pode melhorar de 2% a 5% o desempenho esportivo — não é muita coisa, mas o suficiente para conceder algum conforto suplementar. Ela pode ser consumida numa xícara de café ou em suplementos e bebidas energéticas. É boa para as atividades anaeróbicas, como os exercícios intensos e curtos, a exemplo do levantamento de peso e do treinamento de alta intensidade — mas é ainda mais produtiva para esforços aeróbicos, menos pesados e mais demorados, como a corrida de rua, a natação e o ciclismo. Um extenso levantamento feito com remadores olímpicos revelou que, depois de ingerir cafeína, os atletas de alto nível melhoraram o desempenho na distância de 2 000 metros em cerca de quatro segundos. Em outro trabalho, descobriu-se que atletas bem treinados para provas de fundo, as de 5 000 metros, ganham de onze a doze segundos. Não por acaso, jogadores de basquete da NBA (leia reportagem na pág. 66) costumam bebericar alguma coisa de café antes de entrar em quadra e mesmo nos intervalos. “Há consenso entre os cientistas de que o café empurra os limites para correr maratona e jogar futebol”, diz a nutricionista Nanci Guest, pesquisadora da Universidade de Toronto, líder de um vasto acompanhamento da relação entre cafeína e exercício.
Para o cotidiano de academias, entre pessoas que apenas desejam manter a forma física, o ideal seria de 1,4 a 2,7 miligramas de bebida por quilo de massa corporal, o equivalente a pouco mais duas xícaras pequenas por dia. Ressalve-se que nem todas as pessoas reagem do mesmo modo, e a prescrição médica é sempre recomendada, ajustando as indicações. Seja como for, o melhor é ingerir a cafeína uma hora antes do exercício, para dar tempo de a corrente sanguínea absorvê-la e começar a agir no metabolismo. Ela bloqueia o funcionamento da adenosina, neurotransmissor que, associado a receptores, nos deixa sonolentos. Sabe-se também que ajuda os músculos a produzirem mais força. O corpo humano precisa de cálcio para iniciar as contrações musculares — e a cafeína mobiliza os íons de cálcio, promovendo o movimento com menos gasto de energia. Não se trata de uma poção mágica, e muitas vezes nem se percebe o empurrão.
Às recentes revelações somam-se descobertas anteriores. A ingestão de quatro a cinco xícaras de café diariamente estaria associada a taxas de mortalidade reduzidas. O consumo regular de café — moído, instantâneo e até descafeinado — tem potencial para reduzir o risco de doenças hepáticas em 20%. Convém, contudo, estar sempre atento às quantidades. Para a maioria dos adultos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é seguro consumir, no máximo, até 400 miligramas de cafeína por dia, o equivalente a cinco xícaras pequenas de café ou dez latas de refrigerante de cola ou duas latas de bebida energética. O exagero, como em tudo na vida, à exceção do conhecimento e da sensatez, é caminho para efeitos colaterais. Pode provocar dor de cabeça, dor de estômago, irritabilidade, batimentos cardíacos acelerados, ansiedade — e sobretudo insônia. Costuma-se negligenciar os danos de uma noite maldormida, cujos problemas são maiores que as vantagens de um cafezinho antes da academia. Entre dormir e tomar um café, durma.
Publicado em VEJA de 15 de fevereiro de 2023, edição nº 2828