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MMS: os perigos da substância à base de cloro que promete curar autismo

Feita de dióxido de cloro, alvejante usado no branqueamento de tecidos e no tratamento de água, o composto está sendo usado por famílias e pode matar

Por Giulia Vidale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 Maio 2019, 16h18 - Publicado em 29 Maio 2019, 12h28

Grave em qualquer área de conhecimento, as fake news podem se tornar letais quando o alvo é a saúde. Por redes sociais, sites de busca e aplicativos de mensagens, espalham-se milhares de receitas infalíveis, alimentos superpoderosos, estudos inexistentes e tratamentos milagrosos. O mais perverso: doenças graves, que demandam tratamento específico e contínuo, são justamente as mais usadas para fisgar leitores desavisados. A mais recente notícia falsa é também uma das mais perigosas. Trata-se de uma suposta terapia natural que promete curar 95% das doenças existentes no mundo.

Conhecida como MMS, sigla em inglês para solução mineral milagrosa, a substância popularizou-se entre familiares de pessoas com autismo. Mas seus defensores afirmam que seus efeitos vão muito além. Com efeito antibiótico, antiviral, antifúngico, antiparasitário, entre outros, ela seria eficaz contra malária, infecções, aids, câncer e Alzheimer. O nome e a infinidade de usos já são suficientes para levantar suspeita sobre o produto. Mas, além da ausência de efeitos terapêuticos, a MMS, é um líquido composto de dióxido de cloro, um alvejante usado no branqueamento de tecidos e no tratamento de água. Diz Renata Fonseca, gerente de fiscalização da Anvisa: “É uma substância química com atividade corrosiva que pode causar males para a saúde. É um produto que também traz riscos pela inalação”.

Pode-se comprar a substância pronta (à venda ilegalmente em sites na internet) ou produzi-la em casa a partir de uma mistura de 28% de solução de clorito de sódio e ácido cítrico, como suco de laranja ou limão. A combinação forma dióxido de cloro, uma substância mais irritante que a água sanitária. Seu uso pode prejudicar mucosas, causar náusea, vômito, diarreia, desidratação grave, queda da pressão sanguínea e levar à morte.

A substância foi alçada à categoria de panaceia em 2006 por Jim Humble, ex-garimpeiro e fundador da Genesis 2 – Igreja da Saúde e Cura, sediada nos Estados Unidos. Reza a lenda que Humble teria descoberto o poder curativo da mistura em 1996, durante uma expedição à América do Sul. Segundo ele, algumas gotas de dióxido de cloro seriam capazes de eliminar a malária em apenas algumas horas – o que não é verdade. Atualmente, a substância é considerada um dos pilares sagrados da igreja e é recomendada para a cura para autismo, câncer, HIV, malária e Alzheimer. Anthony Wong, toxicologista e diretor médico do Centro de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP afirma: “Ela não tem nenhuma dessas propriedades terapêuticas alegadas. A única coisa que tem é a esperança que vai funcionar”.

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Não pensem que a venda de MMS é um problema local. A substância está proibida há alguns anos em países como Estados Unidos, Canadá e Reino Unido. Em 2017 a Anvisa recebeu denúncias sobre a comercialização e uso do produto no país. Desde então, a agência passou a investigar a situação e em junho de 2018 proibiu a fabricação, distribuição, comercialização e uso do MMS para a saúde. Recentemente, após novas denúncias de que o líquido ainda estava sendo comercializado, a Anvisa fez uma nova ação em apenas 48 horas, retirou 165 anúncios da internet. A agência atua em conjunto com marketplaces para não deixar os assuntos voltarem. Mas nada é fácil na internet. “É um trabalho contínuo. Nós derrubamos um site hoje, surgem outros amanhã”, afirma Renata.   

Livro polêmico

Humble tem seguidores, entre eles, a americana Kerri Rivera, que lançou o livro Curando os Sintomas Conhecidos como Autismo (editora BV Books) e o alemão Andreas Kalcker. Ambos já estiveram no Brasil promovendo a substância. Na obra, Kerri, que tem um filho autista, estimula o uso da MMS por via oral e anal para o tratamento do que ela chama de “sintomas conhecidos como autismo”, que seriam causados por uma intoxicação de bactérias desconhecidas e metais pesados do organismo. O autismo é um transtorno do desenvolvimento que se forma ainda na gestação. Não há cura e os tratamentos buscam promover habilidades sociais e comportamentais. As medicações apenas tratam sintomas como ansiedade, agressividade e alterações do sono. Diz Guilherme Polanczyk, psiquiatra de crianças e adolescentes da Universidade de São Paulo: “É uma fantasia e um desejo dos pais acreditar que existe uma cura tão simples assim. Mas é importante que esse desejo não atrapalhe os tratamentos efetivos nem coloque a criança em situação de risco.”

Em suas palestras, Kalcker afirma que os efeitos terapêuticos da substância já foram comprovados cientificamente, mas não há nenhum estudo publicado. Uma busca no PubMed, site que agrega pesquisas científicas publicadas no mundo, mostra apenas uma menção à solução mineral milagrosa. Trata-se do caso de uma mulher de 41 anos que teria desenvolvido a síndrome de Kikuchi-Fujimoto após tomar MMS uma única vez. Outro fato interessante é que tanto Kerri quanto Humble não assumem responsabilidade pelas informações divulgadas, sendo as consequências do uso da MMS de responsabilidade de cada um.

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Fake news

Notícias falsas e boatos sem fundamentos sempre existiram. Entretanto, na era digital, eles alcançaram um novo patamar e se disseminam a uma velocidade assustadora por meio de plataformas como WhatsApp, Facebook, Twitter e YouTube. Ao digitar MMS na busca do Facebook e do YouTube aparecem diversas páginas, publicações e vídeos com milhares de seguidores e visualizações promovendo a substância. Um levantamento feito por VEJA no ano passado recolheu 3 000 notícias sobre saúde em seis páginas do Facebook que se notabilizaram por difundir falsidades na área da medicina. Destas, VEJA selecionou cerca de 1 000 que tiveram maior número de compartilhamentos. Entre elas, descobriu-se, com a ajuda de médicos consultados pela revista, que cerca de um terço divulgava falsidades inquestionáveis. Os temas mais frequentes na lista de fake news foram dieta para emagrecer, câncer e diabetes.

O problema adquiriu tamanha dimensão na saúde pública que no ano passado o Ministério da Saúde criou um canal exclusivo para checar possíveis fake news de saúde enviadas via WhatsApp, a mais obscura das redes. O aplicativo é conhecido no meio digital como dark social (rede social escura). Entre agosto de 2018, quando o canal foi criado, e abril deste ano, foram recebidas 8 134 mensagens gerais, 7 867 foram respostas enviadas e 2 714 fake news foram apuradas. De forma geral, os principais temas recebidos pelo canal são: vacinas, alimentação (incluindo dietas para curar doenças) e medicamentos.

Para piorar, um estudo publicado na prestigiosa revista científica Science mostrou que quando um texto falso e um fidedigno são colocados lado a lado, o primeiro tende a reluzir mais que o segundo. Pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) analisaram cerca de 126 000 mensagens divulgadas no Twitter entre 2006 e 2017 por mais de 3 milhões de pessoas. A conclusão: a probabilidade de as fake news serem compartilhadas é 70% maior que a de uma notícia verdadeira. Não é difícil entender o porquê. As pessoas querem soluções simples e milagrosas para os problemas.

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