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Médicos advertem: testes genéticos devem ser usados com cautela

Caso mais recente envolveu o ator Chris Hemsworth, que decidiu dar uma pausa na carreira ao descobrir seu alto risco de Alzheimer

Por Cilene Pereira, Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h10 - Publicado em 2 dez 2022, 06h00

Uma das maiores conquistas científicas do século XXI foi a conclusão do Projeto Genoma Humano, em 2003, uma fabulosa empreitada de treze anos que apresentou ao mundo, pela primeira vez, informações sobre os 3 bilhões de pares de bases químicas que compõem o DNA humano. O novo campo do conhecimento revolucionou a medicina ao iluminar a influência genética no desenvolvimento de doenças e propiciar métodos diagnósticos, terapias e medicamentos que levam em conta as informações contidas nos genes, tornando o tratamento mais eficaz.

arte genética

Como em toda novidade, porém, ainda existem muitas perguntas sem resposta sobre o peso real das mutações de DNA e o papel dos testes genéticos na predisposição a problemas de saúde — uma questão que voltou à tona recentemente no episódio do anúncio do ator australiano Chris Hemsworth, 39 anos — o Thor dos filmes da Marvel —, de que vai dar uma pausa na carreira porque descobriu, por meio de um exame genético, que corre risco elevado de desenvolver a doença de Alzheimer. Musculoso, saudável e bonito de arrepiar, Hemsworth tomou conhecimento de sua predisposição genética por mero acaso. O ator participava da série Limitless (Sem Limites), da National Geographic, que discorre sobre os fatores que aumentam a longevidade, quando, no quinto episódio, foi submetido a uma série de exames, sendo que um deles acendeu o sinal amarelo.

 

FORTÃO - Como Thor, com Natalie Portman: pausa para o herói da Marvel -
FORTÃO - Como Thor, com Natalie Portman: pausa para o herói da Marvel – (Marvel Studios/.)

O teste em questão analisa trechos específicos do DNA para apontar as chances de aparecimento de enfermidades que tenham alterações de genes entre as suas origens — caso da doença de Alzheimer, o tipo mais comum de demência e um dos mais desafiadores no que diz respeito a diagnóstico e tratamento. A função desse teste é investigar mutações no gene APOE, responsável por modular o metabolismo de gorduras. Não se sabe ao certo como o gene interfere no desenvolvimento de Alzheimer, mas a associação entre ele e a doença é comprovada e tem sido alvo de investigação nas últimas três décadas.

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Existem três variantes do gene relacionadas à doença (veja o quadro) — uma que reduz as chances, uma que não atua nem para mais, nem para menos, e uma, o APOE4, que aumenta o risco. O resultado do teste a que Hemsworth se submeteu o colocou na faixa mais elevada do APOE4: a de 2% a 3% dos seres humanos que carregam duas cópias da variante (uma herdada do pai, outra da mãe), o que eleva em dez vezes a possibilidade de aparecimento da enfermidade, caracterizada por perda da memória e da capacidade cognitiva em razão da morte de neurônios.

PREVENÇÃO - Exercício de coordenação motora: os movimentos auxiliam a conservar afiada a capacidade cognitiva -
PREVENÇÃO - Exercício de coordenação motora: os movimentos auxiliam a conservar afiada a capacidade cognitiva – (E+/Getty Images)

Deparar com uma revelação dessas é assustador e costuma levar as pessoas a, como o ator australiano, fazer uma pausa para avaliar o futuro. Mas os testes genéticos de um modo geral — que ganharam enorme popularidade e facilidade de acesso nos últimos anos — precisam ser encarados com certa cautela. Chamados de escores poligênicos, eles indicam probabilidades de desenvolvimento de doenças que tenham uma parcela de risco atribuível a alterações genéticas e costumam ser feitos por pessoas saudáveis que desejam conhecer sua predisposição a males como câncer ou distúrbios cardiovasculares. Não são, no entanto, um diagnóstico definitivo. Além disso, estão sujeitos a alterações, já que a cada dia surge uma informação nova sobre a complexa teia de interação e funcionamento dos genes, o que obriga a revisões contínuas do papel do DNA na saúde dos indivíduos.

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Também é preciso levar em conta que boa parte das enfermidades investigadas nesses exames não tem só uma, mas várias causas, sendo a genética uma peça no quebra-cabeça. Incluem-se nessa categoria a obe­sidade, vários tipos de câncer (até 40% dos casos podem ser evitados com a adoção de hábitos saudáveis) e o próprio Alzheimer. Especialistas vêm propondo medidas para reduzir a chance de ocorrência desse tipo de doença, entre elas evitar o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e o sedentarismo, prevenir-se contra a diabetes, estimular o exercício da mente por meio de novos aprendizados, leituras e jogos, e praticar cuidados simples, como checar a visão e a audição. Hemsworth, ao anunciar a pausa na carreira, afirmou que pretende seguir à risca todas as iniciativas que contribuam para atenuar a força que a alteração em seu DNA possa exercer para a manifestação do problema.

CAUSAS - Obesidade: o excesso de peso é outro fator, além dos genes, que eleva a possibilidade de doença de Alzheimer -
CAUSAS - Obesidade: o excesso de peso é outro fator, além dos genes, que eleva a possibilidade de doença de Alzheimer – (Tim Sloan/AFP)

Os testes genéticos, sobretudo aqueles vendidos diretamente ao consumidor e facilmente executados — basta comprar o kit pela internet, enviar a amostra para a análise e aguardar o resultado por e-mail —, tornaram-se uma mina de ouro para fabricantes e laboratórios. Calcula-se que até 2030 o setor esteja movimentando 2,7 bilhões de dólares, projeção que atrai tanto empresas de ponta quanto as menos sérias. De acordo com a FDA, agência reguladora de medicamentos, exames e dispositivos de saúde nos Estados Unidos, nem todas as marcas de teste sustentam seus achados com informações científicas consistentes.

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Fazer ou não um exame genético, sem que haja indicação precisa para sua realização, é questão debatida na comunidade médica, que, em geral, desaprova a iniciativa. “No caso do Alzheimer, o que o paciente fará com a informação se não há medicações que modifiquem o curso da doença?”, indaga o neurologista Ivan Okamoto, do Hospital Israelita Albert Einstein. Ainda há restrições ao fato de os resultados serem enviados diretamente ao cliente. “Sem maiores explicações, eles podem gerar ansiedade injustificada”, alerta o geneticista Salmo Raskin, diretor do laboratório Genetika. “É importante que os dados sejam esclarecidos. O paciente precisa ser assessorado”, completa o médico Henrique Galvão, gerente médico da Dasa Genômica.

PROGRESSO - Análise em laboratório: ferramenta preciosa, se bem usada -
PROGRESSO - Análise em laboratório: ferramenta preciosa, se bem usada – (Andrew Brookes/IMAGESOURCE/Getty Images)

O conhecimento genético garimpado até aqui pelos cientistas tem valor excepcional. Exames de primeira linha já conseguem detectar mutações que confirmam diagnósticos com segurança e direcionam tratamentos que, até pouco tempo atrás, não existiam. Um exemplo é o teste que identifica alterações nos genes BRCA1 e BRCA2, os “genes Angelina Jolie”, asso­cia­dos a 70% de chance de a mulher que o carrega desenvolver algum tipo de tumor de mama. Em 2013, aos 37 anos, a atriz, que perdeu a mãe para esse câncer, confirmou ser portadora de genes alterados e se submeteu a cirurgia para remoção das mamas, ovário e trompas. Hoje, não teria que tomar decisão tão radical: em março, pesquisadores britânicos e americanos anunciaram a descoberta de uma medicação que reduz consideravelmente os riscos. A genética é uma arca de tesouros, mas requer cuidado no manuseio de um saber tão precioso.

Publicado em VEJA de 7 de dezembro de 2022, edição nº 2818

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