Haja coração
Surpresa com a invejável forma de Mick Jagger depois de uma cirurgia cardíaca? Ele se submeteu a uma técnica pouco invasiva que ganha cada vez mais adeptos
São 22 segundos de provocar taquicardia — 22 segundos vistos mais de 1,2 milhão de vezes no Instagram. Neles, Mick Jagger, de 75 anos, balança o esqueleto enxuto ao som de Techno Fan, da banda inglesa Wombats. Deu-se o espanto, com dezenas de milhares de comentários e curtidas, porque apenas um mês antes o vocalista dos Rolling Stones fizera uma cirurgia de coração. Como assim, depois de abrir o peito, sair por aí rolando como uma pedra? É espantosa e invejável a forma física de Jagger, mas cabe uma explicação para vê-lo saltitante após a operação: a técnica a que ele se submeteu não pressupõe bisturi — trata-se da moderníssima troca da válvula da aorta, a porta de saída do sangue do coração para o corpo, num procedimento conhecido como Tavi, na sigla em inglês.
O método agride muito pouco o organismo. Semelhante à colocação de um stent, a molinha usada para dilatar os vasos entupidos, ele consiste na instalação de uma válvula artificial por meio de um cateter bem fininho (veja o quadro abaixo). Não há necessidade de cortes. O dispositivo entra por um microfuro na virilha e segue até o coração. Ao atingir o órgão, a válvula artificial é expandida, esmagando a estrutura estreita e ocupando o seu lugar. Tudo isso leva no máximo duas horas, e em três dias o doente já pode deixar o hospital. A primeira válvula associada a um cateter foi implantada em 2002 pelo cardiologista francês Alain Cribier, mas recentemente começou a ser usada com frequência e grande sucesso. A inovação foi tida como uma das maiores evoluções na cardiologia, mas era arriscada, porque o instrumento muitas vezes danificava a parede das artérias antes mesmo de chegar ao coração. O avanço da tecnologia atrelada à ciência permitiu o desenvolvimento de um cateter com a metade da espessura do anterior, reduzindo o risco de perfurações a praticamente zero.
Pelo método tradicional, a troca da válvula da aorta é feita por meio de abertura do peito do paciente. A probabilidade de ocorrer alguma arritmia nesse tipo de procedimento é de 39,5% — com a Tavi, cai a 5%. A possibilidade de derrame também diminui, de 3,1% para 1,3%. “A diferença entre as duas técnicas é brutal”, diz o cardiologista Gustavo Lycurgo Leite, da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista. Nos Estados Unidos e na Europa, a Tavi já é a primeira escolha de tratamento para a doença da válvula. No Brasil, os grandes hospitais estão capacitados para realizá-la, embora seja pouco praticada porque ainda não é coberta por planos de saúde privados, tampouco pelo Sistema Único de Saúde, público. O custo: de 115 000 a 220 000 reais, a depender do material. Só a válvula artificial pode chegar a 95 000 reais.
A quem se destina? Mick Jagger é um bom exemplo, dada a frequência de casos similares. Ele sofria de estenose aórtica, o estreitamento da válvula aorta — 7% dos que estão acima dos 70 anos apresentam essa deformação cardíaca. A estenose impede que a válvula se abra corretamente, forçando o coração a trabalhar mais para bombear o sangue. Os sintomas variam de dor no peito e palpitação a desmaios. “Em casos mais drásticos, ocorre morte súbita”, diz Marcus Malachias, professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. O estreitamento é causado pelo acúmulo de cálcio na própria válvula, provocado pelo desgaste natural do organismo. Normalmente se identifica o problema por meio de ecocardiogramas de rotina.
Recuperado, Jagger poderá voltar à rotina, e aí também ele serve de inspiração ao mais comum dos mortais, dada a rapidíssima recuperação da cirurgia. Os Rolling Stones já anunciaram a retomada da turnê No Filter nos EUA e Canadá para o próximo 21 de junho. E, agora sim, sabe-se em detalhes o que ele quis dizer, numa mensagem, ao informar que “estava devastado por decepcionar os fãs”, mas que estaria “trabalhando duro para voltar à estrada o mais rápido possível”. Voltará, graças a um fascinante avanço da medicina.
Publicado em VEJA de 5 de junho de 2019, edição nº 2637
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