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Filhos de pais superprotetores tendem a viver menos, sugere estudo

Os dados foram divulgados na revista Scientific Reports por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos e da University College London

Por Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP
2 fev 2023, 13h22

Homens que tiveram uma relação de superproteção com o pai, com perda de autonomia durante a infância e a adolescência, apresentaram um risco 12% maior de morrer antes dos 80 anos do que aqueles que não tinham um pai controlador. Entre as mulheres o risco foi ainda maior: aquelas que relataram ter um pai autoritário, superprotetor, apresentaram risco 22% maior de morrer antes dos 80 anos.

Por outro lado, as mulheres que durante a infância e adolescência receberam um alto nível de cuidado de uma mãe presente apresentaram risco 14% menor de morrer prematuramente do que as que foram negligenciadas. Outro dado interessante sobre o impacto da relação parental na longevidade é que homens que passaram a infância ou a adolescência morando somente com um dos pais tiveram um risco 179% maior de morrer antes dos 80 anos quando comparados àqueles que viveram com ambos os genitores.

Esses foram os resultados de uma pesquisa feita com quase mil idosos britânicos no âmbito do Estudo Longitudinal de Saúde da Inglaterra (Elsa, na sigla em inglês). Os dados foram divulgados na revista Scientific Reports por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da University College London (Reino Unido). Vale ressaltar que os participantes incluídos nessa análise nasceram na década de 1950 e 1960. “Os resultados são um retrato de indivíduos que hoje teriam uma idade mais avançada. Portanto, não significa que teríamos resultados iguais com a geração de hoje”, afirma Tiago Silva Alexandre, professor do Departamento de Gerontologia da UFSCar e coordenador da pesquisa.

Com apoio da FAPESP, os cientistas analisaram 941 casos de óbito (445 mulheres e 496 homens) entre os participantes do Elsa.

Antes de morrer, os voluntários haviam respondido a um questionário com informações sobre estrutura familiar, condições de moradia, ocupação do chefe da família, presença de doenças infecciosas e relacionamento com os pais (cuidado e proteção) na infância e adolescência. Ao correlacionar as informações obtidas nos questionários com os dados de óbito, os pesquisadores brasileiros conseguiram quantificar o impacto da relação parental na longevidade.

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“O mais interessante do nosso trabalho é que conseguimos mostrar em números o que já vem sendo discutido há alguns anos sobre parentalidade. As relações de cuidado e afeto com o pai e a mãe durante a infância e a adolescência têm repercussão na vida inteira, inclusive, como mostramos, impactam na longevidade. Com os resultados do nosso estudo comprovamos que as condições na infância precisam ser muito bem cuidadas e apoiadas por políticas públicas para que a velhice seja boa”, defende Alexandre.

Estudos na área de psicologia e parentalidade vêm apontando que tanto as relações autoritárias (ou extremamente rígidas) quanto as negligentes (ou permissivas) podem ser prejudiciais para a formação do indivíduo. “Trata-se de achar o meio do caminho. Nem ser intrusivo a ponto de fazer com que a criança ou adolescente perca a autonomia, nem ser negligente e distante emocionalmente dos filhos. Essa questão do cuidado que tratamos neste estudo é justamente não negligenciar, cuidar com zelo, ser presente, mas não superproteger”, explica Aline Fernanda de Souza Canelada, que participou da pesquisa durante o mestrado.

Trata-se do primeiro estudo a verificar como a ausência ou o mau relacionamento com os pais é capaz de reduzir a longevidade. “A criança e o adolescente precisam do auxílio dos pais, mas não de uma maneira intrusiva. Estudos na área da psicologia mostram que esse tipo de relação parental, além de tirar a autonomia dos filhos, acaba sendo enfraquecido, pois o filho tem medo do pai. Isso acarreta em várias condições, desde hábitos não saudáveis – há estudos que mostram maior risco de abuso de álcool e drogas – até questões psicológicas, como aumento do estresse, muito associado à diminuição da longevidade”, afirma Canelada.

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Da mesma forma, o risco menor de mulheres que receberam alto nível de cuidado das mães pode estar associado a um baixo grau de estresse na infância e, por consequência, ao longo da vida. De acordo com os resultados do estudo, o pai não foi associado ao alto nível de cuidado, apenas a mãe. “Sabemos por meio de estudos na área da psicologia que todos esses fenômenos relacionados à relação parental mexem com o comportamento. Existe uma teoria que relaciona isso ao estresse. As pessoas que foram negligenciadas podem estar vivendo um nível de estresse ao longo da vida por conta dessas condições do passado, que vão reverberando. Isso aumenta a chance de desenvolverem doenças”, afirma Alexandre.

As análises de mortalidade precoce realizadas pelos pesquisadores são independentes das condições de doença e idade. “Isso porque não seria correto atribuir a um fato do passado o aumento do risco de morrer precocemente sem considerar a presença de doenças e problemas que a pessoa tem na velhice. Por isso, controlamos essas variáveis e independentemente das condições de saúde da pessoa no momento da velhice as questões pregressas da infância tiveram associação com mortalidade precoce”, explica o pesquisador.

Geração pós-guerra

Embora a pesquisa retrate o que ocorreu com a geração nascida logo após a Segunda Guerra Mundial, não é possível ter certeza de que a realidade de gerações mais recentes seria muito diferente, na avaliação dos cientistas. “Sabemos que nos dias de hoje os pais superprotegem os filhos de uma maneira distinta e é possível que isso também tenha um impacto. É um outro tipo de relação, mas que também tem as suas fragilidades”, diz Alexandre.

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É o caso do resultado sobre o impacto de morar apenas com o pai ou com a mãe. No estudo, homens que passaram a infância ou a adolescência morando somente com um dos genitores tiveram um risco 179% maior de morrer antes dos 80 anos. “Nesse caso, existem questões culturais, sociais que talvez impactassem mais do que hoje. A questão de pais separados era algo tratado de modo diferente no passado e, para o filho homem, poderia ser algo mais difícil. Não temos como saber de que modo isso se daria hoje, com a sociedade que temos atualmente, mas falando de pessoas que nasceram nas décadas de 1950 e 1960 isso era muito mais pesado para o sexo masculino, como mostra o estudo”, afirma o docente da UFSCar.

Outro aspecto interessante está na diferença entre os gêneros no que se refere ao impacto da ausência e do mau relacionamento parental na longevidade. Pais superprotetores tiveram um impacto maior na longevidade de filhas mulheres. Do mesmo modo, mães presentes repercutiram de modo positivo apenas na longevidade das filhas. Canelada explica que as mulheres parecem ser mais propensas a internalizar emoções negativas e, portanto, apresentam com maior frequência transtornos mentais. Já os homens parecem ter maior propensão ao alcoolismo e uso de drogas. “De qualquer modo, os dois fatores estão altamente relacionados com a longevidade”, pontua a pesquisadora.

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