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‘Erros’ aleatórios no DNA causam maioria das mutações do câncer

Dois terços das mutações que dão origem a tumores malignos são provocadas por falhas no processo de cópia do DNA e são inevitáveis, indica estudo

Por Leticia Fuentes Atualizado em 4 jun 2024, 18h23 - Publicado em 23 mar 2017, 15h40

“Erros” imprevisíveis durante o processo de cópia do DNA são responsáveis por dois terços das mutações que podem levar ao desenvolvimento de câncer, revela um estudo divulgado nesta quinta-feira na revista Science. Coordenada por cientistas da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, a pesquisa analisou dados de 4,8 bilhões de pessoas – mais da metade da população mundial – de 69 países diferentes, utilizando uma nova fórmula matemática para avaliar a proporção das mutações que provocavam o crescimento anormal das células. A descoberta pode ajudar a compreender por que pessoas que seguem um estilo de vida saudável e não possuem histórico de câncer na família desenvolvem a doença mesmo assim.

“É bem conhecido que fatores ambientais, como fumar, devem ser evitados para diminuir o risco de câncer. Porém, não é bem conhecido que, cada vez que uma célula normal se divide e copia seu DNA para produzir duas novas células, ela comete vários erros”, afirma Cristian Tomasetti, professor de bioestatística no Centro para Câncer Johns Hopkins Kimmel e um dos líderes da pesquisa, em comunicado. Segundo ele, esses erros no processo de cópia são uma fonte potente de mutações cancerígenas que tem sido cientificamente subestimada. “É a primeira vez que alguém olhou para a proporção dessas mutações em diferentes tipos de câncer e relacionou a esses fatores.”

Segundo os pesquisadores, para os 32 tipos de câncer analisados, os resultados mostram que essas falhas acontecem aleatoriamente durante o processo de duplicação das células. As outras mutações são frutos de fatores externos, como ambiente ou estilo de vida, que são responsáveis por 29% das mutações, ou fatores hereditários, que estão presentes em 5% dos casos. De acordo com os estudiosos, esses erros, que ocorrem naturalmente durante a divisão celular, são imprevisíveis, independem da conduta da pessoa e, portanto, não podem ser evitados – segundo os novos cálculos, cada vez que uma célula se divide, três erros são cometidos aleatoriamente na duplicação do DNA. Geralmente, eles não são prejudiciais – porém, se ocorrerem duas ou mais mutações críticas, o câncer pode aparecer.

Os pesquisadores afirmam que os resultados encontrados estão de acordo com dados da organização britânica Cancer Research UK, que mostra que 42% dos casos de câncer podem ser prevenidos ao evitar hábitos e ambientes nocivos à saúde. Segundo o médico Bert Vogelstein, outro autor do estudo e co-diretor do Centro Ludwig, que integra o Centro para Câncer Johns Hopkins Kimmel, o foco da pesquisa recém-publicada está nos outros 58% dos casos, que não são exclusivamente causados por fatores hereditários. “É parte da evolução. Não podemos fingir que esses erros não existem”, afirma. Essas falhas, de acordo com Vogelstein, explicam por que algumas pessoas que levam uma vida saudável, não são fumantes, estão dentro do peso ideal, estão expostas a poucos ou nenhum carcinogênicos conhecidos e não têm histórico de câncer na família desenvolvem a doença.

Cenário mundial

Em 2015, Tomasetti e Vogelstein já haviam publicado, também na Science, um estudo revelando que esses erros no processo de cópia do DNA poderiam explicar por que certos tipos de câncer em tecidos cujas células sofrem muitas divisões, como o câncer colorretal, são mais comuns do que outros, como o de cérebro. Os dados utilizados pela dupla em sua avaliação, no entanto, correspondiam apenas aos Estados Unidos e, por isso, alguns cientistas argumentaram que eles refletiam a incidência de câncer em um ambiente limitado. Além disso, as análises não incluíam câncer de próstata e de mama, duas das formas mais comuns da doença.

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No novo estudo, além de expandir a investigação a outros países ao redor do globo, os pesquisadores adicionaram dados sobre esses dois tipos de câncer. O foco, no entanto, era descobrir qual é a porcentagem de mutações causadas pelas falhas nas cópias do DNA para cada uma das 32 formas de câncer avaliadas. Isso corresponderia ao “risco básico” que uma pessoa tem de desenvolver a doença, independentemente do ambiente em que está ou do histórico familiar. “É uma mistura de fatores que, juntos, aumentam as chances de desenvolver câncer”, afirma Tomasetti.

No caso do câncer de pâncreas, por exemplo, 77% das mutações que levam ao surgimento de tumores são provocadas por falhas aleatórias, enquanto 18% se devem ao ambiente e ao estilo de vida da pessoa e os outros 5% à hereditariedade. O câncer de pulmão, por sua vez, apresenta um cenário completamente diferente, em que 65% de todas as mutações são provocadas por agentes externos, como fumar, e 35% são consequência de erros nas cópias do DNA. A herança genética não apresenta um papel conhecido no desenvolvimento desse tipo de câncer.

Para chegar a esses valores, os autores desenvolveram uma nova fórmula matemática usando dados de sequenciamento de DNA do Atlas do Genoma do Câncer (TCGA, sigla em inglês) e informações epidemiológicas coletadas pelo Cancer Research UK. Depois, recorreram a 423 bases de dados internacionais para comparar o número total de divisões de células-tronco normais e a incidência de câncer em ambientes completamente diferentes. Surpreendentemente, os resultados dão suporte aos dados obtidos pela dupla dois anos atrás. Eles encontraram uma forte correlação entre a incidência da doença e o número de divisões em 17 tipos de câncer, demonstrando que, quanto mais as células se duplicavam para formar determinados tecidos, mais chances elas tinham de cometer erros no processo, independentemente de fatores externos.

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Por conta disso, sociedades que estão passando por um processo de envelhecimento da população podem apresentar com mais frequência tipos de câncer que têm maior influência de falhas aleatórias. Segundo Volgestein, conforme a pessoa envelhece, suas células se dividem cada vez mais, cometendo mais erros e, consequentemente, fazendo com que mais mutações apareçam. “E essas mutações só vão aumentar no futuro”, adiciona.

Detecção precoce

Os cientistas afirmam que, no caso de tipos de câncer que têm pouca influência das mutações aleatórias, a prevenção primária, como evitar fatores ambientais que podem levar ao desenvolvimento do câncer, ainda é a maneira mais eficiente de evitar que a doença apareça. Porém, para tipos de câncer nos quais as mutações são causadas principalmente por falhas imprevisíveis, a prevenção secundária, que inclui detectar o tumor enquanto ele ainda pode ser curado, é a única opção. “Há poucos esforços para desenvolver métodos de detecção precoce”, lamenta Volgestein. “Ainda estamos presos nos mesmos modelos de anos atrás.”

Embora as mutações aleatórias não possam ser prevenidas e a ciência saiba pouco sobre elas ainda, os pesquisadores salientam que é importante manter hábitos saudáveis e evitar fatores de risco. “O que as pessoas podem fazer agora? Nada, no momento. Mas isso não significa que devemos aumentar o número de mutações nos expondo a agentes nocivos”, conclui Volgestein.

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