Doenças raras: um mundo de avanços e desafios
No Dia Mundial das Doenças Raras, especialista aponta o que precisa evoluir na detecção dos distúrbios genéticos e no cuidado com os pacientes

Quando entrei na faculdade de medicina, no início dos anos 2000, as doenças raras eram consideradas distantes da prática clínica e o ensino focava nas causas mais comuns dos sinais e sintomas.
Em minha primeira residência, atendi um bebê de cinco meses com suspeita de um “defeito do metabolismo do cobre”, um dos chamados Erros Inatos do Metabolismo. Trata-se de doenças genéticas raras causadas por defeitos em enzimas que controlam a síntese, transporte, degradação ou armazenamento de moléculas.
Seus sintomas – cabelo quebradiço, crises convulsivas, atraso do desenvolvimento – eram comuns, mas revelaram uma jornada desafiadora até o diagnóstico e tratamento.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define como raras aquelas doenças que afetam até 65 a cada 100 mil indivíduos. Existem entre 6 e 8 mil dessas condições, impactando cerca de 4% da população mundial.
Apesar dos avanços na discussão do tema, o desafio persiste: o diagnóstico dessas doenças é uma “odisseia”, levando, em média, cinco anos para ser concluído. A raridade dos casos reflete também na escassez de profissionais especializados.
O diagnóstico precoce é essencial. O Teste do Pezinho, realizado entre as primeiras 48 horas e o quinto dia de vida do recém-nascido, permite a detecção de cerca de 50 doenças metabólicas, genéticas, endócrinas e da imunidade.
O Instituto Jô Clemente (IJC), pioneiro e referência em Triagem Neonatal, desempenha papel fundamental nesse processo com o Projeto Piloto de Triagem Neonatal para Atrofia Muscular Espinhal (AME-5q). Desde julho de 2023, o teste já identificou 11 casos precoces dessa enfermidade debilitante no estado de São Paulo.
Além do diagnóstico, o tratamento é um desafio, pois poucas doenças raras têm terapias específicas, e quando existem, elas são frequentemente inacessíveis para a maioria das famílias. O IJC busca mudar essa realidade por meio do Centro de Pesquisa Clínica, criado em parceria com a Azidus Brasil, viabilizando ensaios clínicos e ampliando o acesso a tratamentos inovadores.
Estamos na era da genômica, em que exames avançados e inteligência artificial aprimoram os diagnósticos. No entanto, nada substitui a pesquisa e a formação de profissionais especializados.
Por isso é fundamental que o ensino sobre as doenças raras comece nas universidades e que haja investimento contínuo em pesquisas, políticas públicas e parcerias entre governos, indústria farmacêutica e organizações de pacientes.
No dia 28 de fevereiro é celebrado o Dia Mundial das Doenças Raras, mas a luta das pessoas e famílias com essas condições é contínua e cheia de barreiras. Existem avanços significativos que estão acontecendo e ajudando a transformar essa realidade. E o esforço coletivo é essencial para superar obstáculos, garantir acesso ao diagnóstico e tratamento e melhorar a qualidade de vida.
* Fernanda Monti é neurologista infantil e consultora de Erros Inatos do Metabolismo do Instituto Jô Clemente (IJC)