Degradar proteínas: uma nova forma de desestabilizar e atacar o câncer
Farmacêutica aposta em abordagem inédita contra doenças hematológicas como linfoma e mieloma múltiplo - eliminar proteínas cruciais às células malignas

O câncer é uma das doenças mais insidiosas que existem porque cria múltiplas formas de escapar das defesas do organismo e ampliar seus domínios no corpo, levando-o com frequência à ruína. É por isso que a medicina não se cansa de pensar e testar estratégias para conter seus mecanismos de sobrevivência. A luta pode ser árdua e, inevitavelmente, engloba as moléculas que permitem às células tumorais prosperar – as proteínas.
Já faz um tempo que elas viraram alvos de medicamentos oncológicos. Mas, no campo das doenças hematológicas, como linfomas e mieloma múltiplo, os cientistas encontraram um novo jeito de abordar algumas dessas peças para desestabilizar o câncer. A ideia é degradar proteínas tumorais.
Essa linha de pesquisa e desenvolvimento de drogas, encabeçada pela biofarmacêutica Bristol Myers Squibb (BMS), foi um dos destaques do último encontro da Associação Europeia de Hematologia, sediado em Milão, na Itália. Ali, a companhia americana apresentou dados de terapias baseadas em sua plataforma de degradação de proteínas.
“As terapias focadas na degradação proteica em doenças hematológicas representam uma abordagem inovadora no tratamento de condições como mieloma múltiplo e linfomas”, diz Égyla Cavalcante, gerente médica de hematologia da Bristol Myers Squibb no Brasil.
“Elas utilizam mecanismos que direcionam proteínas específicas para degradação, interrompendo processos celulares críticos para a sobrevivência e a proliferação das células malignas”, explica a especialista.
Na prática, os remédios em estudo com essa função teriam o poder de eliminar peças sem as quais o tumor não consegue se expandir efetivamente. Ponto para o corpo humano.
“Ao promover a degradação seletiva de proteínas, essas terapias visam reduzir a carga tumoral e melhorar os resultados clínicos dos pacientes, oferecendo novas esperanças para aqueles que enfrentam doenças hematológicas complexas e de difícil tratamento”, afirma Cavalcante.
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Moléculas em testes
Há uma série de medicamentos inovadores que atuam com essa proposta de degradação de proteínas essenciais ao câncer. Boa parte das promessas integra uma classe de terapias conhecida – prepare-se para o nome técnico – como agentes CELMoD, uma sigla para “moduladores cereblon E3 ligase”.
Cavalcante explica que o alvo deles é a modulação de um componente-chave para a degradação de proteínas tumorais. Três representantes da categoria pesquisados pela BMS são os medicamentos iberdomide, mezigdomide e golcadomide. “Esses compostos têm mostrado potencial significativo no tratamento de doenças como mieloma múltiplo e linfomas”, diz a hematologista.
Tais drogas estão sendo testadas geralmente em casos refratários às abordagens tradicionais e/ou em combinação com outros tratamentos – a via comum de pesquisas com novas medicações oncológicas.
Na reunião europeia, foram divulgados dados de ensaios clínicos com os três agentes CELMoD da BMS. “O iberdomide mostrou eficácia em pacientes com mieloma múltiplo recidivante ou refratário, especialmente quando combinado com outros agentes terapêuticos. Os resultados preliminares indicam uma taxa de resposta global promissora e um perfil de segurança manejável”, exemplifica Cavalcante.
O mezigdomide também é voltado a essa doença, mais comum após os 60 anos de idade. Já o golcadomide é um agente avaliado para casos de linfomas difuso de grandes células B e folicular. “A eficácia e a segurança observadas até agora são encorajadoras, e estudos adicionais estão em andamento para confirmar esses achados e determinar o melhor uso clínico”, resume a gerente médica da BMS.
Degradação de proteínas: é provável que, no futuro, este seja um novo pilar estratégico para debelar cânceres hematológicos, ao lado de táticas hoje consagradas. Se a doença aprende a escapar das defesas do organismo, a medicina também se reinventa para podar seus atalhos e golpes moleculares. A missão é uma só: em vez do câncer, quem tem que sobreviver é o paciente.