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Coronavírus: o Brasil já conseguiu achatar a curva de mortes?

Os últimos dados do Ministério da Saúde apontam para uma redução da curva de contágio e de mortes; estados se preparam para relaxar a quarentena

Por Giulia Vidale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h52 - Publicado em 22 abr 2020, 17h33

Na segunda-feira, 20, foram registradas 113 mortes e 1927 novos casos de Covid-19 no Brasil. No dia seguinte, houve 166 mortes e 2.498 mortos. Embora a quantidade tenha crescido ligeiramente de um dia para outro, um olhar mais panorâmico, desde a eclosão do surto até agora, autoriza uma indagação: está havendo um achatamento da curva da pandemia, para usar um chavão que já virou moeda corrente? Conseguimos, enfim, achatar a tal curva, dado a redução do ritmo de contaminação?

Parece que sim. “A curva está diminuindo sim”, diz a VEJA o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. No entanto, Croda não usa como base para essa conclusão os dados oficiais de contágio e mortes por coronavírus e sim o número de internações por síndrome respiratória aguda grave (Srag).

“Há um claro achatamento na curva de casos de síndrome respiratória aguda grave (Srag), que reflete a diminuição na taxa de contágio, principalmente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. O ideal, neste momento, é utilizar o monitoramento da Srag porque esse dado independe de testes de diagnóstico. Além disso, a Srag não serve só para coronavírus, mas para todas as doenças respiratórias. Se há uma redução da mobilidade, há uma redução de doenças respiratórias em geral e de internações associadas às doenças. É isso o que estamos vendo agora”, explica o especialista.

De acordo com Croda, a possível subnotificação de casos e mortes por Covid-19 devido à ausência de testes em massa no país pode comprometer a análise da curva de crescimento no Brasil. “Ao concentrar a explicação apenas nos números oficiais de casos e óbitos, pode haver a construção de uma narrativa que os óbitos estão diminuindo, quando, na verdade, é pela falta de testes. Apesar do número de exames estar aumentando, ainda não é o ideal. À medida que tenhamos mais testes disponíveis, talvez esse número de casos de Covid-19 seja mais real”, analisa o pesquisador da Fiocruz.

Essa defasagem, principalmente na confirmação de mortes pode ser vista pela discrepância entre os registros de mortes confirmadas e suspeitas por coronavírus registradas em cartório e o número de óbitos confirmados pelo Ministério da Saúde. No início do mês, de acordo com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), que representa os cartórios de registro civil no país, havia 748 óbitos registrados por suspeita ou confirmação de coronavírus. Entretanto, a pasta havia computado apenas 667 mortes. O problema continua a existir no Rio de Janeiro, em Manaus e outras cidades. O que mostra que realmente ainda não sabemos a dimensão da epidemia no país.

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Já o epidemiologista, infectologista e mestre em saúde pública Bruno Scarpellini pede cautela. “Parece que a curva está achatada, mas acho que é precoce fazermos qualquer afirmação. Será que não subdiagnosticamos e continuamos subnotificando? Aparentemente estamos melhor do que outros países. Mas já vimos países que afrouxaram a conduta e tiveram disparada de casos, como Suécia, Japão e Coreia do Sul”, diz o especialista.

Ao comparar a curva de crescimento do Brasil com a de outros países (veja os gráficos abaixo) no mesmo período da pandemia (primeiros 56 dias após a confirmação do primeiro caso), vemos que no que diz respeito ao ritmo de contágio e à evolução dos óbitos, o Brasil está abaixo apenas da Itália e da Espanha e acima dos Estados Unidos, Alemanha, Espanha, França e Reino Unido.

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Entretanto, desde a confirmação da primeira morte no Brasil, no dia 17 de março, e hoje, 22 de abril, passaram-se 37 dias. Nesse mesmo período (37 dias após a confirmação da primeira morte), a curva de mortes registradas no Brasil, em comparação com esses mesmos países, estaria apenas acima da França e abaixo de todos os outros, incluindo Reino Unido, Alemanha e Estados Unidos.

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Vale ressaltar que hoje, esses países – França, Alemanha, Estados Unidos, Itália e Espanha – estão em um estágio muito mais avançado da epidemia do que o Brasil, pois tiveram seu primeiro caso confirmado cerca de um mês antes de nós. De qualquer forma, seu exemplo serve de aprendizado sobre a importância não só da testagem em massa, mas também do respeito às medidas de distanciamento social e de um relaxamento gradual dessas medidas.

Cerca de três meses após a confirmação do primeiro caso – ou seja, em um período de um mês a mais do que o Brasil está agora -, os Estados Unidos tinham 661.712 casos confirmados e 34.619 mortes, o que representa um aumento de 286 vezes e 94 vezes respectivamente, em apenas 30 dias. A França, 156.500 casos confirmados e 19.323 mortes, o que significa um aumento de 5.094% no número de óbitos e de 1.322,7% no número de casos. E o Reino Unido, hoje (81º dia após o primeiro caso confirmado no país) tem 130.200 casos confirmados e 17.337 mortes – um aumento de 785% e de 2184%, respectivamente, em apenas 25 dias).

Ou seja, a curva desses países começou a crescer exponencialmente justamente após os primeiros dois meses do início da epidemia. Além disso, nos últimos 15 dias, o número de novas mortes têm se mantido estável, salvo poucas exceções. Inclusive, se compararmos o número de mortes no início da semana passada e desta semana, é possível observar uma ligeira redução na média de novos casos registrados em um dia. Basta saber se isso vai continuar assim.

Portanto, mesmo que o Brasil pareça estar no caminho certo, não dá para relaxar. “O número que estamos vendo agora representa ações tomadas de duas a quatro semanas atrás. Se daqui a duas semanas aumentar o número de mortes e de casos, será consequência do que fizemos hoje. Precisamos continuar com o distanciamento e programar uma saída gradual, seguindo o protocolo da OMS”, afirma Scarpellini.

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Sucesso das medidas de isolamento

“Aconteceu o achatamento, o primeiro objetivo foi atingido. Agora é importante planejar a reabertura. É preciso fazer o monitoramento de indicadores precisos e em tempo real. No momento em que o isolamento é relaxado, a taxa de contágio deve aumentar, assim como a necessidade de internações em UTI. Cabe ao gestor analisar esses números e adotar uma nova medida de isolamento quando for necessário. Conhecemos a doença, temos a experiência de outros lugares do mundo e qualquer superlotação do serviço de saúde é de responsabilidade do gestor. Ao propor o relaxamento ele supõe que há capacidade para atender os pacientes”, complementa Croda.

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Mesmo com o achatamento da curva, alguns estados estão com dificuldade para atender os pacientes, como Amazonas e Ceará. “O número de leitos disponíveis nesses locais não é suficiente para atender os pacientes. Existe uma desproporção no número de leitos por 10.000 habitantes no Brasil, principalmente no sistema público. As regiões Norte e Nordeste tem um número menor que o Sul e o Sudeste. Então já era de se esperar que essas regiões sofressem mais com essa epidemia. Mas a situação poderia estar muito pior nesses estados se nada tivesse sido feito”, explica Croda.

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Como já explicado, a função do achatamento é justamente dar ao sistema de saúde capacidade de atender todos os pacientes com qualidade. Por isso a opinião é unânime entre especialistas: mesmo que a curva tenha de fato sido achatada neste momento, até a população adquirir imunidade ou até aparecer uma vacina, haverá momentos de agudização da epidemia e necessidade de implantação de novas medidas de isolamento. “Isso é dinâmico. Precisamos entender que não vamos voltar à normalidade completa tão cedo e isso tem que ser feito porque é o que temos de melhor nesse momento”, finaliza Scarpellini.

O aumento na aplicação de testes é apontada pelo Ministro da Saúde Nelson Teich como um ponto importante para ajudar a entender a evolução da Covid-19 e dar elementos para o desenvolvimento de políticas públicas para fazer frente à doença. Como a maioria dos casos de infecção por coronavírus é assintomático ou apenas provoca sintomas leves, apenas testes em massa podem mostrar quantas pessoas já foram infectadas e, portanto, estão imunes.

A dificuldade de testagem em massa é um desafio para a maioria dos países, mas eles estão correndo atrás. Os Estados Unidos, por exemplo, que no início da epidemia no país tiveram muita dificuldade para aplicar os testes, hoje são o país com a maior incidência de testes. Mesmo assim, essa falha no início teve um preço alto e hoje o país registra o maior número de casos e de mortes por Covid-19.

Por outro lado, os países que tiveram sucesso em achatar a curva aplicaram uma combinação de isolamento de casos confirmados e suspeitos, testes em massa, rastreamento de casos e relaxamento gradual das medidas de distanciamento social.

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Taxa de curados

Ainda existem poucos dados sobre o número de pacientes recuperados ou curados de coronavírus. Conforme aumentar a realização de testes rápidos e sorológicos, que identificam anticorpos no sangue da pessoa, indicando que ela já teve e se curou da infecção, esse número fica mais preciso no Brasil e no mundo.

De qualquer forma, no momento, segundo dados do Ministério da Saúde, 25.318 pacientes infectados por coronavírus no Brasil estão recuperados. O número representa 55,3% dos casos confirmados da doença. A taxa de curados no Brasil é muito superior aos índices globais, mas semelhante à da Suíça, que tem um número de casos de Covid-19 semelhante ao nosso.

No mundo, por exemplo, a porcentagem de pessoas curadas é de apenas 25%. Nos Estados Unidos é de 8,1%; na Espanha são 39,8%; na Itália são 23% e na Suíça, 58,5%, de acordo com informações da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.

Vale lembrar que o Brasil ainda não atingiu o pico da epidemia e, portanto, não esgotou os recursos do sistema de saúde, público ou privado. Espera-se que muito em breve, com o aumento do número de casos e a lotação dos hospitais, a taxa de curados comece a cair no país.

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