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Como imagens aéreas podem ajudar a combater o mosquito da dengue?

Estudo combinou mapeamento de fotografias de caixas d'água com inteligência artificial para identificar zonas vulneráveis a infestações por Aedes aegypti

Por Theo Ruprecht, da Agência Fapesp
11 mar 2022, 09h26

Um programa de computador capaz de identificar, a partir de imagens aéreas, caixas d’água sobre telhados ou lajes e piscinas em áreas abertas foi desenvolvido por pesquisadores brasileiros com o auxílio de ferramentas de inteligência artificial. A proposta é usar esse tipo de imagem como indicador de zonas especialmente vulneráveis a infestações do mosquito Aedes aegypti, transmissor de doenças como dengue, zika e chikungunya. Além disso, a estratégia desponta como potencial alternativa para um mapeamento socioeconômico dinâmico das cidades – um ganho para diferentes políticas públicas.

A pesquisa, apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), foi conduzida por profissionais da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Os resultados foram publicados na revista Plos One.

“O que nós fizemos neste primeiro momento foi criar um modelo que se baseia em imagens aéreas e em ciência da computação para detectar caixas d’água e piscinas, e usá-las como um indicador socioeconômico”, afirma o engenheiro Francisco Chiaravalloti Neto, professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP.

No artigo publicado, ele e seus colegas ressaltam que levantamentos anteriores já apontavam que zonas carentes dos municípios são frequentemente mais predispostas à dengue. Ou seja, utilizar um modelo de atualização de status socioeconômico relativamente dinâmico – principalmente em comparação com o Censo, feito de dez em dez anos e sujeito a atrasos – ajudaria a priorizar os esforços de prevenção contra dengue, zika e chikungunya.

“Esse é um dos primeiros passos de um projeto mais amplo”, destaca Chiaravalloti Neto. Entre outras coisas, o grupo almeja incorporar outros elementos para serem detectados nas imagens e quantificar as taxas reais de infestação do Aedes aegypti em uma dada região para refinar e validar o modelo. “Nós esperamos criar um fluxograma que possa ser aplicado em diferentes cidades para encontrar áreas de risco sem a necessidade de visitas domiciliares, prática que gasta muito tempo e dinheiro público”, diz Chiaravalloti Neto.

Aprendizado de máquina

Em estudo anterior, o grupo já havia usado inteligência artificial para identificar caixas d’água e piscinas em Belo Horizonte (MG). Os pesquisadores começaram apresentando essas imagens de satélite da cidade mineira a um algoritmo de computador e apontando quais possuíam essas instalações. Por meio de um processo de deep learning (ou aprendizado profundo), o programa passou a identificar padrões nas imagens que acusavam a presença de uma piscina ou caixa d’água. Com o tempo, o sistema se tornou capaz de diferenciar essas estruturas nas fotos por si só.

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“É realmente um processo de aprendizado de máquina, uma subárea da inteligência artificial”, explica Jefersson Alex dos Santos, professor do Departamento de Ciência da Computação da UFMG e fundador do Laboratório de Reconhecimento e Padrões de Observação da Terra.

Para a atual pesquisa, os profissionais delimitaram quatro regiões de Campinas caracterizadas por diferentes contextos socioeconômicos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Um drone com uma câmera de alta resolução sobrevoou essas áreas e tirou uma série de fotos. Então, criou-se um banco de dados voltado para caixas d’água e outro para piscinas.

A próxima etapa foi realizar a técnica de transferência de aprendizado. “Nós treinamos aquele modelo em Belo Horizonte e o aplicamos em Campinas”, esclarece Santos. Com as imagens obtidas na cidade paulista, os modelos se tornaram mais confiáveis para a região, alcançando uma precisão de 90,23% para a detecção de piscinas e de 87,53% para a de caixas d’água expostas.

Indicador socioeconômico

Com o algoritmo devidamente treinado, os pesquisadores usaram outras imagens para calcular a concentração de caixas d’água e piscinas expostas naquelas quatro regiões de Campinas previamente selecionadas. Ao cruzar essas informações com dados do IBGE, notou-se que os índices socioeconômicos eram menores em áreas com maior concentração de caixas d’água e mais elevados onde havia maior número de piscinas.

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Como regiões menos estruturadas são mais propensas à infestação do Aedes aegypti, esse modelo já auxiliaria no combate às doenças propagadas por ele. “Apesar de não ser ainda a metodologia final, já dá para pensarmos em um uso prático e relativamente simples de desenvolver um software para uso em larga escala, com o objetivo de mapear bairros com maior risco de surto de dengue”, reforça Santos.

Chiaravalloti Neto aponta que os modelos criados poderiam ser úteis para além do controle de dengue, zika e chikungunya: “A atualização dos índices socioeconômicos de diferentes pontos do Brasil acontece a cada dez anos, com o Censo. Já com essa técnica conseguiríamos renovar esses dados de maneira mais ágil, o que pode ser usado para enfrentar diferentes doenças e problemas”.

Segundo ele, trabalhos futuros podem encontrar outros marcadores a partir de imagens aéreas e, assim, refinar esses algoritmos para assegurar uma confiabilidade ainda maior.

Drone ou satélite?

Apesar de as fotos aéreas de Campinas terem sido obtidas com um drone, espera-se que, no futuro, a estratégia testada nessa pesquisa recorra apenas às imagens de satélite. “Utilizamos um drone por se tratar de um estudo, mas fazer varreduras com esse equipamento é caro”, analisa Chiaravalloti Neto.

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“Eles também têm uma autonomia menor. Para fazer um projeto em larga escala, que contemple grandes cidades, precisaremos das imagens de satélite”, completa Santos. No estudo em Belo Horizonte, as imagens de satélite foram empregadas com sucesso – elas precisam de alta resolução para que o computador consiga identificar os padrões. De acordo com Santos, o acesso a esse tipo de imagem felizmente está se ampliando.

Embora esse tipo de metodologia pareça custoso, ele gera uma potencial economia ao dispensar a necessidade de visitas presenciais para mapear, casa por casa, áreas suscetíveis à dengue. Em vez disso, os agentes de saúde aproveitariam as informações obtidas remotamente – e processadas com a inteligência artificial – para se dirigir aos locais prioritários com mais assertividade.

Próximos passos

O modelo atual é capaz de detectar caixas d’água, mas não se elas estão devidamente vedadas. Algo similar vale para as piscinas: ele as identifica, mas não sabe se estão bem tratadas ou fechadas. “Essa metodologia poderia ser refinada para diferenciar estruturas bem cuidadas daquelas que de fato serviriam como criadouros de mosquitos”, avalia Chiaravalloti Neto. Acusar esses padrões e outras estruturas ligadas a uma maior infestação de mosquitos tornaria o algoritmo ainda mais confiável para a definição de medidas de saúde pública.

No momento, os pesquisadores estão instalando uma série de armadilhas para o Aedes aegypti em cerca de 200 quadras de Campinas e avaliando detalhadamente as condições dos imóveis e a presença de diferentes criadouros do mosquito. Indicadores socioeconômicos também serão examinados. A etapa seguinte será avaliar imagens aéreas dessas regiões com a mesma lógica empregada na pesquisa citada para classificar o grau de risco para a presença do Aedes aegypti e das doenças transmitidas por ele.

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“Ao observar essas quadras, pretendemos construir um modelo de priorização de controle da dengue para toda a cidade e, depois, para o resto do Brasil”, conclui Chiaravalloti Neto.

Além do financiamento da Fapesp, os pesquisadores contaram com recursos do Instituto Serrapilheira, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Pró-Reitoria de Pesquisa da USP e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). A Sucen também ofereceu suporte estrutural.

Os autores envolvidos são: Higor Souza Cunha, Brenda Santana Sclauser, Pedro Fonseca Wildemberg, Eduardo Augusto Militão Fernandes, Jefersson Alex dos Santos, Mariana de Oliveira Lage, Camila Lorenz, Gerson Laurindo Barbosa, José Alberto Quintanilha e Francisco Chiaravalloti-Neto.

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