Com UTIs saturadas, o Nordeste forma comitê de cientistas renomados
Diante do aumento rápido de casos de Covid-19, a região recorre à ciência para tentar conter o avanço da doença
À medida que o Brasil se aproxima do momento mais crítico da pandemia de coronavírus, torna-se ainda mais valioso o uso do conhecimento para tentar frear a doença. Em situação bastante delicada, com 27% dos casos confirmados no país e um alto risco de colapso no sistema de saúde de algumas de suas principais cidades, o Nordeste decidiu apostar na ciência e, no fim de março, criou um comitê específico para enfrentar a Covid-19. Coordenado pelo ex-ministro da Ciência e Tecnologia Sérgio Rezende e pelo neurocientista Miguel Nicolelis, um dos mais importantes nomes brasileiros da área, o grupo reúne diariamente médicos, físicos, matemáticos e pesquisadores em nove subcomitês temáticos que tratam desde a compra de equipamentos, insumos e testes até a elaboração de modelos matemáticos que indiquem para onde o vírus está se movendo. Entre as ações já recomendadas, além da manutenção do isolamento social e da resistência ao uso da hidroxicloroquina, estão a proibição de viagens intermunicipais e interestaduais e a criação de uma brigada emergencial de saúde, que inclui médicos formados no exterior, com validação alternativa de diplomas, para atuar sobretudo em unidades básicas. O grupo também lançou o aplicativo Monitora Covid-19, que, na falta de testes em massa, recebe dos usuários relatos sobre sintomas e facilita o mapeamento de novos focos da doença. “O comitê tem reafirmado e legitimado tecnicamente as principais decisões”, diz Marcos Pacheco, secretário de Articulação das Políticas Públicas do Maranhão e coordenador do subcomitê de medidas socioeconômicas do grupo.
As três capitais com maior incidência da enfermidade em relação à população ficam no Nordeste: pela ordem, Fortaleza, São Luís e Recife. O grande desafio do comitê científico é implementar as medidas necessárias em meio à estrutura de saúde precária da região. Ceará e Pernambuco estão com a capacidade das UTIs públicas saturada. Em Salvador, que concentra 63% das ocorrências da Bahia, dois dos três hospitais com UTI para atendimento a infectados têm mais da metade dos leitos ocupada.
Um dos motivos que levaram ao quadro foi a demora na proibição de voos internacionais em estados turísticos como Ceará e Pernambuco, os mais afetados. No caso cearense, o governador Camilo Santana (PT) pediu à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) a suspensão das aterrissagens em 16 de março, quando o estado contava apenas nove ocorrências. Os voos foram vetados duas semanas depois, momento em que já havia 359 infectados e cinco mortes. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda tentou proibir barreiras de inspeção da Secretaria de Saúde cearense no Aeroporto de Fortaleza, veto negado pela Justiça.
As autoridades desses dois estados também atribuem o maior volume de casos da Covid-19 à testagem mais intensa. “A vigilância epidemiológica tem averiguado todas as mortes decorrentes de síndromes respiratórias agudas graves. Aqui, praticamente não há fila de espera para exames de óbitos suspeitos”, diz o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB). Não por acaso, os governadores nordestinos foram os primeiros a se reunir com o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, na segunda 20. Ele ouviu as necessidades, checou o que havia sido prometido pelo antecessor, Luiz Henrique Mandetta, e defendeu uma atuação federal mais integrada com os estados. Espera-se que não fique apenas no discurso. Sem a ajuda política materializada em recursos emergenciais, de nada vai adiantar o Nordeste contar com um grupo de cientistas renomados no front contra a Covid-19.
Publicado em VEJA de 29 de abril de 2020, edição nº 2684