Ciência explica a origem do orgasmo feminino
Em nossos ancestrais, o prazer era necessário para garantir a liberação de óvulos; agora a função não existe mais
Desde a época de Aristóteles, o orgasmo feminino tem sido assunto de interesse dos estudiosos. Mas, até agora, a ciência ainda não conseguiu responder todas as questões que giram em torno do assunto. Entre as perguntas a serem respondidas está o porquê de a mulher não precisar de orgasmo para engravidar. A dúvida existe porque na população masculina o clímax sexual é necessário para que aja ejaculação (liberação de espermatozoides) e, consequentemente, reprodução.
Procurando entender este fenômeno, uma equipe de pesquisadores realizou um estudo com coelhos e os resultados parecem ter fornecido uma possível resposta para esta questão. De acordo com os especialistas, há milhares de anos, a mulher – assim como o homem – só conseguia liberar os óvulos quando tinha orgasmo. Mas, durante o processo evolutivo, seu corpo foi capaz de desvencilhar a função reprodutiva do orgasmo, não mais necessitando dele para engravidar.
Para os pesquisadores, isso poderia explicar porque as mulheres sentem maior dificuldade para ter orgasmo com o sexo, especialmente durante a penetração. “O estudo poderia ser um caminho para explicar parte do aspecto biológico do orgasmo feminino, mas é preciso lembrar que ele também é fruto de uma construção social. É muito difícil separar esses dois fatores da sexualidade feminina para chegar a um resultado conclusivo”, comenta a ginecologista e sexóloga Carolina Ambrogini, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Os novos achados foram publicados semana passada no periódico Proceeding of the National Academy of Sciences.
Ovulação induzida
Antes de realizar o estudo, os pesquisadores da Universidade de Cincinnati e da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, já sabiam que as coelhas ovulam apenas diante do estímulo sexual, processo conhecido como ovulação induzida por cópula. Ou seja, ao contrário da mulher, cuja ovulação acontece em períodos determinados do mês – com ciclo médio de 28 dias –, as fêmeas dessa espécie só liberam óvulos durante a relação sexual. Com base nessa informação, a equipe chegou à hipótese de que o orgasmo feminino poder ter se desenvolvido a partir de um mecanismo semelhante.
Para testar a ideia, os cientistas fizeram alguns experimentos com os animais. No primeiro deles, realizado ao longo de duas semanas, a equipe administrou nas coelhas doses diárias de fluoxetina – um antidepressivo conhecido por reduzir o desejo sexual em seres humanos, o que interfere negativamente na probabilidade de orgasmo. O medicamento foi utilizado em metade das fêmeas para verificar seus efeitos sobre a ovulação. Para controle do experimento, a outra metade do grupo não recebeu nenhuma medicação. Os cientistas ainda utilizaram apenas um macho – de nome Frank – para copular com todas as coelhas.
Depois de medir o número de ovulação de cada fêmea, a equipe descobriu que aquelas que receberam fluoxetina tiveram 30% menos ovulação comparadas as que não foram medicadas.
Para confirmar os resultados, eles refizeram o estudo adicionando outra substância ao experimento: a gonadotrofina coriônica humana – hormônio responsável por estimular a ovulação. O objetivo da equipe era averiguar se a fluoxetina estava reduzindo a ovulação pelo sistema nervoso central ou afetando diretamente os ovários. Da mesma forma que o primeiro experimento, apenas metade do grupo recebeu fluoxetina e gonadotrofina.
Os resultados mostraram que as coelhas medicadas tiveram 8% de redução no número de ovulações em comparação com as outras (sem medicação). Isso indica que a fluoxetina afeta apenas o sistema nervoso central, interferindo na produção de serotonina – conhecido como hormônio do amor. Para os pesquisadores, esse resultado indica que sem o “prazer sexual” as coelhas não ovulam plenamente, o que reduz suas chances de gestação. Apesar disso, a equipe não sabe dizer se os coelhos têm sensações similares às humanas durante ovulação e ejaculação.
O que isso significa?
Você deve estar se perguntando como esse experimento pode explicar o orgasmo feminino, não é mesmo? Pois bem, segundo especialistas, as nossas ancestrais também passavam pelo processo de ovulação induzida. No entanto, conforme fomos evoluindo, o corpo feminino foi passando por mudanças. A principal delas seria a mudança de posição do clitóris.
Na época em que a ovulação era induzida pelo orgasmo, o clitóris ficava mais próximo dos canais reprodutivos – provavelmente dentro da vagina – para que o contato sexual estimulasse o orgasmo e, consequentemente, a ovulação. Ao migrar para outra posição no sistema reprodutivo feminino, o orgasmo deixou de ser necessário para a liberação de óvulos. Com a migração, o clitóris passou a ser menos estimulado durante o sexo, dificultando o orgasmo.
Mas alguns estudos indicam que o orgasmo ainda exerce função reprodutiva. “Ao ter orgasmo, os músculos do útero se contraem e impulsionam o esperma até o óvulo. Além disso, ele estimula a maior prática do sexo, aumentando as chances de gravidez”, conclui Carolina.
Para alguns cientistas, o orgasmo feminino é apenas um vestígio evolucionário – ou seja, algo que permaneceu no corpo mesmo sem ter um propósito fundamental no funcionamento do organismo, assim como o apêndice e os mamilos masculinos.