As reações da repórter de VEJA que participa dos testes da vacina
'É algo que vai além da curiosidade profissional. Fico orgulhosa e, confesso, me dá algum medo'
Na terça-feira 17, o Instituto Brasileiro de Pesquisa Clínica (IBPClin), no Rio de Janeiro, me declarou oficialmente voluntária no estudo que busca desenvolver uma vacina contra o novo coronavírus. Setenta dias se passaram entre a primeira vez que falei com o pesquisador principal do projeto, o clínico generalista e endocrinologista Luis Augusto Russo, e a data em que a equipe médica da clínica me aplicou a dose única da potencial vacina. A pesquisa faz parte da fase 3, a mais avançada antes da possível comercialização, um projeto desenvolvido pela empresa belga Janssen-Cilag, braço farmacêutico da Johnson & Johnson — o quarto laboratório no mundo a testar o imunizante em voluntários brasileiros. Ao todo, até 7 000 pessoas receberão as doses no Brasil. Participar diretamente dessa experiência, para mim, é algo que vai além da curiosidade profissional. Fico orgulhosa e, confesso, me dá algum medo.
A pesquisa clínica consiste em injetar um vírus atenuado da influenza modificado com material genético do novo coronavírus. A ideia é que o corpo humano comece a produzir anticorpos contra o invasor. Nesta primeira etapa, serão vacinadas 4 000 pessoas em todo o mundo de 18 a 60 anos e de todos os grupos étnicos. Também serão voluntários portadores de enfisema, diabetes, obesidade, doenças cardiovasculares, bronquite e Parkinson, porque é preciso conhecer eventuais efeitos colaterais em públicos com diferentes condições de saúde. Se não houver nenhuma reação adversa severa e ficar comprovado que os voluntários produziram anticorpos capazes de impedir a infecção da Covid-19, o laboratório pede autorização nacional e internacional para comercializar, em caráter emergencial, a vacina. A expectativa é que esse processo possa ocorrer dentro de três meses.
Ao receber uma dose no início da noite do dia 17, em um consultório simples ocupado apenas por uma médica, não soube — como todos os voluntários ou mesmo a equipe de pesquisa — se era o medicamento com o princípio ativo ou um placebo. O protocolo científico estabelece que, em experiências assim, parte das pessoas receba um produto eficaz, e parte um que não provoca efeito algum. Os placebos servem para comparar e validar os efeitos da vacina que está sendo testada. No caso da Janssen-Cilag, o placebo é uma ampola de soro fisiológico.
Antes de receber a dose sorteada, por meio de um computador, retirei sangue para exames como de gravidez e HIV, e fiz o teste do tipo PCR, em que uma haste é inserida em cada narina para recolher material que informe se, naquele momento, estou ou não infectada pelo novo coronavírus. Os frascos não têm meu nome, e sim um QR code que relaciona o material biológico a mim. É preciso garantir segurança e confidencialidade. Uma agulha fina, de cerca de 5 centímetros, foi inserida no meu braço esquerdo, como se fosse uma vacina comum. O líquido, porém, foi injetado de forma lenta, e a sensação é de forte ardência. Fui orientada a aguardar quinze minutos, sob monitoramento da equipe médica, para aferirem se desenvolvi ou não alguma reação alérgica imediata. Não houve intercorrência e, por isso, comecei a achar ter recebido o placebo — o que, confesso, me provocou uma sensação de frustração.
Na manhã seguinte, quarta-feira, porém, a situação mudou completamente. Senti um certo desconforto no local da aplicação da vacina e dores por todo o corpo: antebraço, nuca, coxas, cintura. O médico me explica que a mialgia que sinto é um dos efeitos colaterais mais comuns esperados no estudo clínico, ao lado de febre, fadiga, cansaço, náusea, diarreia e dor de cabeça — essa última também presente no meu caso. Ao contrário do que imaginei na noite anterior, agora desconfio que recebi a vacina verdadeira. Sorte minha, pensei. Só terei essa resposta quando o estudo for completamente encerrado. Por enquanto, a orientação é preencher diariamente um aplicativo em que relato sintomas, medir a temperatura corporal a cada noite, aferir os níveis de oxigênio duas vezes por semana, usar máscaras e álcool em gel — e torcer para que o experimento dê certo e possa, em breve, ajudar a salvar milhões de vidas.
Laryssa Borges é voluntária do programa de testagem da vacina produzida pelo laboratório Janssen-Cilag.
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Publicado em VEJA de 25 de novembro de 2020, edição nº 2714