As novas descobertas da ciência na busca do segredo para a longevidade
A herança genética pesa, mas cresce a percepção de que bons hábitos e um ambiente saudável têm contribuição decisiva

O empresário americano Bryan Johnson, de 47 anos, não é o primeiro nem será o último a ostentar o título de “o homem que quer viver para sempre”, como estampa o documentário que conta sua saga à procura de uma fórmula contra o envelhecimento. Séculos antes dele, o imperador macedônio Alexandre, o Grande (356-323 a.C.), embora não lhe faltassem conquistas, já buscara um rio cujas águas sanariam os males e os limites da idade. Um sonho que alimentou culturas e expedições à caça de uma fonte da juventude, que estaria num Eldorado nas Américas ou num elixir criado por alquimistas do velho continente. Da mística à ciência moderna, o desejo de viver (muito) mais, mesmo com os notórios avanços recentes na expectativa de vida, continua povoando a mente humana.
Prova maior disso está não só nos investimentos milionários de gente abonada que quer romper as fronteiras da biologia, mas também numa série de recentes pesquisas explorando a associação entre hábitos, ambientes e trechos do código genético com a longevidade. Da dieta às mudanças climáticas, passando pela interação entre o comportamento e o DNA, a pergunta de 1 bilhão de dólares é o que se pode fazer, com plena certeza, para mover-se algumas casas à frente no xadrez da existência. O investidor Bryan Johnson tem desembolsado 2 milhões de dólares ao ano em procedimentos e suplementos com a meta de barrar a senilidade e reverter seu estado corporal ao de uma pessoa de 18 anos. Isso inclui cardápios ultrarrestritos e troca de parte do seu plasma sanguíneo — um protocolo que parece saído da ficção científica e, por ora, não passa realmente disso.
Com mais pé no chão, e cientes de que a vitalidade cerebral é uma das peças críticas para a longevidade, pesquisadores da Universidade do Texas, nos EUA, receberam financiamento de 3,7 milhões de dólares para decifrar, com exames refinadíssimos, os segredos da massa cinzenta ao envelhecer. A meta é descortinar mecanismos e formas de intervir no piloto de comando do organismo para que ele não pife “tão cedo”. No Brasil, a USP capitaneia uma investigação sobre o genoma dos superidosos — afinal, eles realmente ganharam na loteria genética?
O fato é que a jornada por células e processos fisiológicos ligados à finitude tem apontado que as muitas velas sopradas nos aniversários dependem provavelmente mais do estilo de vida e de certos privilégios sociais. Estima-se que o papel dos genes nessa história flutue em não mais que 20% do resultado. Ou seja, a construção de hábitos e de um ambiente saudáveis determina mais quanto e como viveremos do que a sorte ou as fórmulas mirabolantes.

A melhora na expectativa de vida, de certo modo, reflete isso — bem como a transição dos desafios e pretensões atuais. Se boa parte da humanidade hoje passa facilmente dos 70 ou 80 anos, deve muito à expansão do saneamento básico, das vacinas e de outros conhecimentos médicos. Viver mais, contudo, não é sinônimo de viver melhor. Eis o dilema da geração prateada, essa que posterga a aposentadoria, mas também está mais suscetível a estresse, sedentarismo e a um combo de doenças crônicas — de diabetes a artrose. Entramos em um platô na previsão de primaveras pela frente, algo acentuado a partir de 2010, embora a previsão seja de que tenhamos um incremento de 4,9 anos para homens e de 4,2 para mulheres até 2050. A grande questão é: com que qualidade de vida chegaremos tão longe?
A dúvida intriga especialistas, porque algumas análises, baseadas nos comportamentos atuais e nas políticas públicas ainda tímidas voltadas à longevidade, não são tão empolgantes. Um estudo da Clínica Mayo, nos EUA, com dados de mais de 180 países, revela que, entre inúmeras nações, vive-se, ao menos, dez anos a mais na companhia de incapacidades e doenças limitadoras. “Você vai envelhecer de acordo com o que viveu”, diz o médico gerontólogo Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil e ex-diretor da OMS. “A saúde depende de onde moramos, como trabalhamos, nos deslocamos e nos entretemos e de que forma nos cuidamos.”
Até porque, como mostra uma das mais modernas linhas de pesquisa, há uma forte intersecção entre as vivências e o meio a que estamos expostos e a expressão dos genes. É a chamada epigenética, que explora como tabagismo, noites maldormidas e até crises ambientais repercutem no funcionamento do DNA, potencializando o risco de doenças que encurtam a vida, como o câncer. “Sob determinadas condições, um gene vai expressar proteínas desnecessárias e levar ao prejuízo das células”, diz o urologista Marcelo Bendhack, presidente da Associação Latino-Americana de Uro-Oncologia. Sob essa perspectiva, nem tudo é sentenciado pelos genes em si — muito menos o tempo e a qualidade de vida. “Nunca é tarde demais para melhorar os hábitos”, frisa o médico.
Mas será que algumas características incrustadas no DNA de centenários saudáveis não contribuem para que tenham ultrapassado a média populacional? É a isso que pretende responder o Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da USP numa investigação com 110 brasileiros lúcidos e funcionais acima dos 95 anos. “Buscamos identificar os fatores ambientais e genéticos que permitem ao organismo resistir ou atrasar o aparecimento e a evolução de doenças crônicas e, por consequência, atingir idades mais longevas”, diz o cientista João Paulo Limongi, um dos pesquisadores do grupo. Os achados gerais ainda não foram publicados, mas já existem pistas do que dá um gás para seguir em frente em pleno vigor. “Em geral, esses indivíduos são mais tranquilos, sem rancor, e estão em paz com a vida”, ilustra o pesquisador da USP.

Sim, genética e hábitos andam de mãos dadas, mas essas conexões não caminham numa rota simples e linear. O mundo nem sempre é gentil com quem envelhece devido a uma decisiva barreira à saúde: a desigualdade. “Um prato colorido e nutritivo não é acessível à maioria das pessoas no país”, exemplifica Kalache. “Sabemos que os negros têm expectativa de vida quinze ou vinte anos mais baixa, assim como populações periféricas e povos originários.” São esses obstáculos sociais que também dificultam a transposição das lições das blue zones — certas regiões do globo com populações impressionantes de centenários — para o resto do planeta. É fato que a população de idosos praticamente duplicou nas últimas décadas e deve continuar a crescer. Outro fato, bem mais preocupante, é que as doenças da idade, como Alzheimer e câncer, seguirão no encalço da humanidade. Na inexistência de uma fonte da juventude, o segredo para chegar aos 100 com autonomia parece estar numa caminhada mais ativa, resiliente e bem acompanhada, com corpo e mente devidamente alimentados. Um sonho para o qual governo e sociedade terão de colaborar para que vire realidade.
Publicado em VEJA de 7 de março de 2025, edição nº 2934