Anticoncepcional sem hormônio é aprovado nos Estados Unidos
O contraceptivo em forma de gel não traz o desconforto químico e os efeitos colaterais provocados pela pílula
Nenhum produto farmacêutico mudou tanto a vida das mulheres, e o cotidiano da sociedade, quanto a pílula anticoncepcional. A chegada do comprimido às farmácias, nos anos 1960, representou a antessala da chamada revolução sexual. Em 1968, a escritora americana Pearl S. Buck (1892-1973), Nobel de Literatura, resumiu o que via: “Todo mundo sabe o que a pílula é. Um objeto pequeno, mas que pode ter um efeito mais devastador em nossa sociedade que a bomba atômica”. As primeiras cartelas eram liberadas apenas para aquelas que apresentassem receita médica e certidão de casamento. Em pouco tempo se viu que o papel dos comprimidos ia muito além de evitar a gestação. Graças à pílula, o sexo deixou de ser uma questão moral, mas de bem-estar e prazer. O controle da natalidade libertou a mulher e o orgasmo, enfim, pôde ser dissociado do risco de engravidar.
Mas foi — e ainda é — uma revolução ancorada em hormônios, e os hormônios embutidos na pílula podem fazer mal e incomodam. Seis em cada dez mulheres interrompem o uso de anticoncepcional em menos de um ano por reagir mal às substâncias hormonais. Entre os efeitos adversos mais comuns estão náusea, dor de cabeça e sangramento. Em casos mais severos, há quadros de trombose. São problemas que começam a ser postos de escanteio. A FDA, a agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos, acaba de aprovar a venda de um contraceptivo em gel completamente livre de hormônio. É a primeira vez em trinta anos que se aprova um remédio subtraído desses compostos — o anterior, lançado na década de 90, foi a “camisinha feminina”, que não colou. Desenvolvido pelo laboratório americano Evofen com o nome comercial de Phexxi, o produto chegará às farmácias americanas em setembro deste ano, a 250 dólares, suficiente para doze aplicações. Ainda não há previsão para o lançamento no Brasil, mas não deve demorar.
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Clique e AssineEle age de forma aparentemente muito simples, mas fruto de altíssima tecnologia. Altera a acidez do pH vaginal e impede a movimentação dos espermatozoides até os óvulos, onde ocorre a fecundação (veja o quadro). “O método conseguiu finalmente suprir uma lacuna no mercado formada por mulheres que querem evitar os hormônios”, diz Eduardo Zlotnik, ginecologista do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. A taxa de eficácia é comparável à dos preservativos, em torno de 86%. Está, portanto, longe dos espantosos 99,9% da pílula anticoncepcional. Mas os índices do gel tornam-se perfeitos para uma quantidade grande de mulheres que não se adaptam aos hormônios dos contraceptivos. A maioria deles, na forma de comprimido ou injetável, é feita da combinação dos hormônios estrogênio e progesterona sintéticos, que inibem a ovulação. A novidade em gel também apresenta contraindicações: cerca de 10% das mulheres relataram dores e sensação de queimação nas partes íntimas. Há ainda uma relevante questão comportamental a ser considerada. “A mulher pode se sentir constrangida ao aplicá-lo diante de um parceiro que não conhece bem”, diz a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do programa de estudos sexuais da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. “Ainda assim, é uma grande conquista feminina.”
E os homens? As tentativas (infrutíferas) de produção de um contraceptivo masculino existem também desde os anos 1960. Há ponderações pouco científicas (a resistência dos homens) e econômicas (laboratórios temendo perder com a possível queda no consumo desses remédios entre as mulheres). Mas o principal nó é fisiológico. Bloquear a ovulação mensal é um desafio mais simples e barato do que inibir a produção diária de milhões de espermatozoides. “É difícil mexer na fertilidade no corpo masculino sem impactar fortemente nos hormônios de forma negativa”, diz Zlotnik. “Diminuir a testosterona, essencial na produção dos espermatozoides, causa extremo desânimo e mal-estar.” O primeiro remédio que parece ter driblado o entrave é uma vacina. Em fase final de testes, ela é aplicada na região dos testículos e pode durar até treze anos, com eficácia comprovada de 97%. A injeção, chamada de Risug, já passou por testes clínicos e a expectativa é que chegue ao mercado até o fim deste ano. Uma nova revolução sexual pode estar só começando.
Publicado em VEJA de 10 de junho de 2020, edição nº 2690