Alongar é preciso: por que os exercícios de flexibilidade podem fazer toda a diferença
Ignorados até por quem pratica esportes, eles podem prevenir dissabores em meio a uma vida entre telas

O começo da história não é muito diferente do que acontece com um número gigantesco de pessoas. Em 1968, aos 23 anos, o americano Bob Anderson percebeu que estava bastante acima do peso e, incomodado, entrou para um programa de ginástica. O projeto deu resultado, mas, mesmo perdendo cerca de 20 quilos, ele reparou que ainda não estava 100%: faltava-lhe elasticidade para tocar a vida. Sem um manual disponível, o professor passou a se reunir com a mulher, Jean, e com amigos para realizar sessões de alongamento. Foi o movimento inicial para que ele desenvolvesse um método a fim de tornar mais acessível a prática de exercícios de flexibilidade. Anderson decidiu escrever um livro didático com uma variedade de alongamentos, devidamente ilustrados pela companheira, formada em artes. Quando a obra chegou ao público americano, o sucesso foi imediato. Alguns anos depois, Alongue-se tornava-se um best-seller global, com mais de 3 milhões de exemplares vendidos em 24 idiomas. Agora, o guia chega ao seu 40º aniversário com uma edição atualizada e publicada no Brasil pela Summus Editorial. A principal novidade: suas páginas trazem sessões para desenferrujar o corpo na era digital.
A proposta chega em boa hora. Enquanto os smartphones nos forçam a passar horas olhando para baixo, aumentando a tensão sobre os ombros e o pescoço, longos dias de trabalho em frente ao computador sobrecarregam as costas e as pernas. Para evitar que isso desgoverne a saúde, Anderson, que aos 80 anos mantém uma rotina de corridas e pedaladas, tem um conselho. “Se você está ficando menos flexível com o tempo, alongar-se regularmente será de grande ajuda ”, disse a VEJA.
Suas recomendações são respaldadas pela ciência. As atividades físicas aeróbicas e resistidas — a base dos treinos de academia — são ideais para trabalhar o condicionamento cardiorrespiratório e fortalecer os músculos, respectivamente. Mas, se a gente não se alonga, perde pontos na recuperação do organismo e deixa as articulações mais travadas. As práticas que visam à elasticidade corporal, aliás, não devem se restringir a esportistas. “As tensões acumuladas no dia a dia aumentam dores e limitam a funcionalidade para todos nós”, afirma o fisioterapeuta Maurício Ormachea, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.


E digamos que a rotina entre telas tem contribuído para tamanha tensão, a ponto de especialistas já falarem em “pescoço de celular”, uma situação incômoda provocada pelo hábito de se encurvar para ver vídeos ou mensagens — e para a qual Anderson prescreve um exercício certeiro (veja quadro). Os alongamentos também ganham relevância à medida que envelhecemos: com o avanço da idade, é natural que as juntas fiquem menos lubrificadas, um processo que é acelerado pelo sedentarismo. Essa é uma das principais causas de dores e fraquezas, que limitam ou atrapalham gestos banais no cotidiano, como pegar um objeto que caiu no chão ou alcançar um prato no armário.
Para não travar, os especialistas receitam doses diárias de alongamento. “Se o movimento das articulações for melhor, concluir qualquer tarefa será mais fácil”, diz Claudio Gil Araújo, diretor de pesquisa da Clínica de Medicina do Exercício (Clinimex) do Rio de Janeiro. Uma pesquisa conduzida pelo seu grupo com centenas de pacientes demonstrou que a flexibilidade está diretamente associada a um maior tempo de vida pela frente. Convém reservar até 20 minutos por dia, de preferência pela manhã, para espichar o corpo todo, e incluir alongamentos nos intervalos no trabalho ou em casa, mesmo que você parcele as áreas do corpo mobilizadas — braços, pernas, pescoço… É um investimento. Ao qual Anderson atribui sua disposição quase 50 anos depois de decidir seguir essa regra.
Publicado em VEJA de 13 de junho de 2025, edição nº 2948