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“A única coisa que não tiro é esperança”, diz especialista em transplantes

Cirurgião Rodrigo Vianna relata como se tornou um ás desse ramo dirigindo um centro nos EUA

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h30 - Publicado em 27 Maio 2023, 08h00

Não dá para negar que é difícil, como estrangeiro, se estabelecer nos Estados Unidos. São mais de vinte anos por aqui e posso dizer que estou mais tranquilo. Em janeiro, completei uma década como diretor do maior centro de transplantes do país, o Miami Transplant Institute. Temos um dos melhores programas de transplantes do mundo, e dentro de um sistema público.

Eu me apaixonei por essa área da medicina ainda na faculdade. E vim pra cá em 1999 para buscar treinamento. Na primeira cirurgia em que vi um transplante multivisceral com o médico retirando os órgãos do paciente e deixando apenas o coração e os pulmões, pensei: “Como esta pessoa está viva? Como é possível dar uma chance de vida a esses pacientes?”. Aquilo ficou na minha cabeça. Então segui esse caminho. No início, foquei muito nos pacientes pediátricos, porque a maioria dos casos que chegavam envolviam crianças que precisavam de transplante de fígado e intestino. Em 2003, fui para o estado de Indiana criar um programa de transplantes de intestino e de múltiplos órgãos. Seria o diretor e sabia que o sistema americano é difícil, tudo é monitorado pelo governo e a cobrança é altíssima.

Meu primeiro transplante dentro do programa aconteceu em 2004 e o paciente está vivo até hoje. No começo, não tinha nada estabelecido, mas chegamos a fazer trinta transplantes viscerais por ano e dobrar a sobrevida dos pacientes em um ano, atingindo uma taxa de 80%. Esses casos são desafiadores. Alguns pacientes são operados vinte, trinta vezes. A cirurgia de múltiplos órgãos é trabalhosa. E é feita em poucos lugares porque demanda muito da instituição — você precisa ter uma boa UTI, banco de sangue…

Já fiz transplantes de até oito órgãos na mesma pessoa: fígado, pâncreas, intestino, cólon, baço, estômago e dois rins. Isso só é possível com muita dedicação, muito suor ou mesmo uma obsessão. Adoro quando vem um paciente que fala que não tem saída para o caso dele e mostro que não é bem assim. Na nossa experiência, há mais de 80% de chance de sobreviver após o procedimento. Isso muda a vida dele e da família. A única coisa que não tiro é a esperança.

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As crianças são meu ponto fraco, porque não carregam as memórias das dificuldades. Depois que melhoram, vemos elas voltando para a escola. Tem criança que nunca comeu por causa de uma doença e descobre o sabor da comida. Voltam para me visitar e peço para me escreverem uma carta todo ano. É o meu pagamento.

Claro que temos perdas. Quando alguém morre, passo para o familiar que tentamos de tudo. Porque uma coisa é tentar e outra é morrer sem ter entrado na fila nem conseguido o transplante. Acredito que é mais fácil de superar assim, porque há o fechamento de um ciclo. Fizemos tudo que era possível.

Estamos tendo muita colaboração com o Brasil, já operei pacientes pela Rede D’Or e continuo em contato próximo, porque o Brasil é o país da oportunidade. Dizem que são os Estados Unidos, mas é o Brasil. Temos pessoas fantásticas, profissionais excelentes. Já recebi por aqui pacientes, estudantes, médicos e enfermeiros brasileiros. Vejo como uma contribuição ao meu país.

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Nesses dez anos, desde que assumi o Miami Transplant Institute, aumentamos o número de procedimentos e não paramos nem na pandemia. Os pacientes não podiam morrer e acertamos a logística. Em 2020, foram 721 transplantes e tínhamos batido o recorde no ano anterior, com 747. Posso dizer que consegui tudo que queria fazer, ajudando pacientes americanos e de fora e ganhando até prêmios. Mas sei que nada disso acontece sem a doação de órgãos, e respeito muito aqueles que viabilizam a vida para os outros.

Rodrigo Vianna em depoimento dado a Paula Felix

Publicado em VEJA de 31 de maio de 2023, edição nº 2843

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