A medicina descobre os reais benefícios do mel
Novo estudo conduzido pela Universidade de Oxford confirma a ação do produto nos tratamentos de tosse e dor de garganta
Um homem pendurado em um cipó, em esforço tremendo para coletar o mel de abelhas selvagens em uma colmeia aparentemente inalcançável. Muito provavelmente, eis a representação mais antiga da deliciosa substância dourada e viscosa, ilustrada em uma pintura rupestre nas cavernas de Araña, em Valência, na Espanha, há 8 000 anos. Na Mesopotâmia, uma tábua de argila datada de 2000 a.C. traz uma receita para feridas do corpo: “Moer até que a areia do rio vire pó e amassar com água e mel, azeite puro e óleo de cedro e aplicar quente”. Poucos compostos naturais são reconhecidos como produto terapêutico há tanto tempo na história da humanidade. Os diversos (e bons) efeitos do néctar de flores processado pelos insetos acompanham as gerações em receitas caseiras. Faltavam apenas evidências científicas para comprovar a intuição. Finalmente elas surgiram.
O mel age contra sintomas de resfriado, como tosse e dor de garganta, atestou um trabalho conduzido pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, a partir dos resultados de catorze pesquisas que envolveram mais de 1 700 pessoas. A conclusão: o alimento pode ser tão ou mais eficaz que os antibióticos. O levantamento mostrou ainda que as bactérias não criam resistência ao mel. Um dos grandes problemas atuais é o fortalecimento desses microrganismos, devido ao uso indiscriminado de antibióticos. O mecanismo nocivo remonta à teoria da seleção natural das espécies. “Quando esses microrganismos são expostos aos antibióticos, um grupo pequeno e mais forte pode sobreviver, ciclo que é reforçado a cada geração”, diz Antonio Carlos Nascimento, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Com o mel, não haveria esse fenômeno.
As qualidades antibacterianas do mel são atribuídas em grande parte às enzimas da saliva da abelha, usada na fabricação natural da substância, mas também à acidez alta da substância (pH em torno de 3 e 4,5), o que ajuda a matar os microrganismos. Os pesquisadores afirmam, contudo, ser necessário realizar novos estudos para confirmar a descoberta — e não se trata, evidentemente, de sonegar a eficácia de produtos farmacêuticos. O mel, porém, já entrou nas diretrizes de saúde de órgãos regulatórios de alguns países. No Reino Unido ele se tornou recentemente a primeira opção no tratamento da maior parte das tosses, um modo de minimizar o uso indiscriminado de antibióticos.
O uso do mel para o tratamento de doenças precisa, logicamente, ser acompanhado por um especialista. “O mel pode ser consumido no intervalo de duas a três semanas a partir do início dos sintomas”, afirmou em comunicado a médica Tessa Lewis, representante do Instituto Nacional de Excelência na Saúde, organização que emite recomendações ao sistema público de saúde da Inglaterra. “Mas se nesse período o sintoma piorar e a pessoa se sentir indisposta ou sem ar, ela deve procurar um médico”. Em documento, a Organização Mundial da Saúde estabelece que chá de limão e mel tende a aliviar sintomas de tosse em crianças acima de 1 ano. Alguns cuidados também são necessários. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sugere cautela na manipulação do produto para que não se percam suas propriedades. O mel é delicado. Deve-se evitar aquecê-lo, para que suas enzimas não percam a potência, mantendo-se o alimento até a temperatura de no máximo 70 graus.
Embora o efeito antibacteriano do mel seja o mais louvado, e agora comprovado, há outros benefícios. As 200 substâncias que compõem o alimento deflagram inúmeros impactos positivos para a saúde (veja no quadro). Um dos mais surpreendentes é fato de conter lactobacilos. O mel, portanto, pode também prevenir gastrites intestinais. Não há consenso, porém, sobre a quantidade ideal a ser consumida. Os especialistas recomendam porções equivalentes a uma colher de chá ou a uma colher de sopa diariamente.
Mas nem tudo são flores. Nos últimos quatro anos, as abelhas entraram pela primeira fez na lista de espécies ameaçadas de extinção. Nos Estados Unidos, o país mais afetado pelo problema, o número desses insetos caiu pela metade. Há sumiço também no Brasil. Os motivos do desaparecimento são os mais variados — mudanças climáticas, abuso no uso de pesticidas, incêndios florestais. Sem abelhas, faltará mel — e não apenas mel. Elas são responsáveis pela polinização, que, ao garantir a perpetuação de espécies e frutos mais resistentes, responde por cerca de 60% das plantas cultivadas.
Publicado em VEJA de 2 de setembro de 2020, edição nº 2702