A Covid-19 gerou uma corrida pelos oxímetros, mas é preciso cautela
Os aparelhos que medem a oxigenação do sangue devem ser usados com muita parcimônia
O medo causado pelo alastramento da Covid-19 provocou um novíssimo fenômeno de vendas: as dos oxímetros portáteis, pequenos dispositivos que medem a oxigenação sanguínea pela ponta dos dedos. Em pouco menos de dois meses, as dezenas de modelos do aparelho sumiram das farmácias, como se fossem frascos de álcool em gel. Em abril, o número de compras via e-commerce aumentou 171% em relação ao mesmo período de 2019, de acordo com levantamento da consultoria Compre & Confie feito a pedido de VEJA. Para ter um deles agora é preciso esperar por semanas e desembolsar 59% a mais do que se pagava no ano anterior: 202 reais, em média. Dados do Google no Brasil mostram que entre fevereiro e março houve um aumento de quase 10 000% (isso mesmo) da busca pela palavra “oxímetro”.
A intensa procura começou a partir de um artigo do médico de emergência americano Richard Levitan no The New York Times. No texto, Levitan descreve um quadro que chamou de “hipóxia silenciosa”. É o que acontece com pacientes que estranhamente não sentem falta de ar mesmo com níveis extraordinariamente baixos de oxigênio no sangue, fenômeno ainda não explicado pela medicina. Essas pessoas chegam ao hospital em estado crítico. Segundo o médico, o uso de oxímetro por pessoas com sintomas compatíveis com os da Covid-19 poderia ajudar a antecipar a detecção precoce de quadros graves.
A sugestão de Levitan, contudo, é controversa. Diz o pneumologista Bruno Guedes Baldi, da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia: “É um grande risco fazer desses aparelhos o único método de diagnóstico precoce e de complicações da Covid-19”. Estima-se que em 25% dos doentes a medição da saturação seja inútil porque são pacientes assintomáticos. E mais: dificilmente o portador da doença apresenta falta de ar e oxigenação baixa no início. Em geral, esses problemas aparecem por volta do sétimo dia e são antecedidos por sintomas como febre, tosse seca e incômoda e falta de olfato e paladar. O benefício real do monitoramento da oxigenação é poder sinalizar a queda da saúde respiratória antes do stress fatal da doença para o enfermo que está se recuperando em casa e precisa ir para o hospital — não para o saudável. O uso doméstico do dispositivo pode ainda levar a erros de interpretação. O fluxo de oxigênio, por exemplo, sofre variações naturais — fica mais baixo quando acordamos ou praticamos exercícios. Também pode acontecer o oposto e o oxímetro transmitir uma falsa sensação de segurança. “Há ainda um efeito colateral indireto, o aumento da ansiedade causado pelas verificações frequentes”, diz o pneumologista Elie Fiss, pesquisador sênior do Hospital Oswaldo Cruz. Conclusão: use com parcimônia e acompanhamento médico.
E, apesar de tudo, do mau hábito de se apegar a traquitanas da medicina sem necessidade, deu-se a popularidade do dispositivo por um motivo simples: a facilidade de uso. Semelhante a um prendedor de roupas, o oxímetro é colocado na ponta do dedo (a maioria dos modelos exige que a unha fique para cima e sem esmalte) e, em segundos, indica o nível de oxigenação do organismo e os batimentos cardíacos. O aparelho funciona como uma lanterna que joga luz sobre uma folha de papel e que em seguida mede quanto dessa luz chega ao outro lado. A folha de papel, no caso, é o dedo do paciente. Quando as hemoglobinas, proteínas que transportam o oxigênio no sangue, estão com mais oxigênio, elas absorvem mais luz infravermelha; quando estão menos oxigenadas, absorvem mais luz vermelha. A intensidade das luzes que chegam ao receptor do outro lado é traduzida em valores digitais. O nível normal é de pelo menos 95%. Em portadores de problemas pulmonares, como enfisema e obesos, o índice aceito é um pouco menor, em torno de 92%. Medições abaixo dessas, portanto, pedem atenção e, insista-se, olhar profissional.
Publicado em VEJA de 20 de maio de 2020, edição nº 2687