Uma agulha no oceano
Construídos para não ser vistos, submarinos são difíceis de encontrar quando se acidentam. Foi o que ocorreu com o ARA San Juan, com 44 a bordo
Submarinos foram criados para passar incólumes pelos oceanos. Debaixo d’água, eles podem surpreender adversários e coletar informações preciosas. É por isso que, quando um deles se acidenta e desaparece, encontrá-lo é um tormento. Na quarta-feira 15, o submarino argentino ARA San Juan fez seu último contato — no mesmo local, foi detectado um barulho semelhante ao de uma explosão e, em seguida, a embarcação desapareceu com seus 44 tripulantes, entre os quais uma mulher, Eliana Krawczyk, a primeira submarinista da América do Sul. Estima-se que o estoque de oxigênio tenha se esgotado na quarta-feira 22. Aviões, barcos e submarinos de dez países participavam das buscas, que se realizavam em uma área de 482 000 quilômetros quadrados, quase duas vezes o tamanho do Estado de São Paulo. “Ao contrário de navios comerciais, aviões ou caminhões, os submarinos não carregam GPS para ajudar os outros a localizá-los. Além disso, quando um deles vai além de certa profundidade, não consegue mais transmitir sinais de comunicação pela água”, diz James Moltz, professor da Escola de Pós-Graduação Naval, na Califórnia.
O último caso de desaparecimento de um submarino aconteceu em 2000, com o russo Kursk, movido a propulsão nuclear. Daquela vez, foi mais fácil encontrá-lo. O Kursk afundou após uma explosão de um torpedo em sua parte dianteira, que gerou um tremor de 4,2 graus na escala Richter. O acidente acabou matando a maioria dos tripulantes, mas 23 deles conseguiram se refugiar na parte de trás, num primeiro momento. “A explosão acionou detectores sísmicos em várias localidades. Isso permitiu à equipe de resgate calcular a posição do submarino muito rapidamente”, diz Rockford Weitz, diretor do Programa de Estudos Marítimos da Universidade Tufts, nos Estados Unidos. Como o submarino russo realizava um exercício naval com muitas outras unidades, isso também facilitou as buscas.
O ARA San Juan, contudo, navegava completamente sozinho em uma área de maior profundidade e longe da costa. O submarino argentino também é menor, e menos visível. Tem 66 metros de comprimento, menos da metade do Kursk, que tinha 154 metros. O resgate do Kursk, porém, fracassou e todos os 118 tripulantes morreram, inclusive os 23 que sobreviveram à explosão. Em parte, porque o governo russo recusou ajuda internacional, por orgulho e por temer espionagem de segredos militares.
A hipótese mais provável para explicar o acidente com o ARA San Juan é uma falha nas baterias, o que teria afetado o sistema de propulsão e os equipamentos de comunicação. Isso aumenta a dificuldade em encontrar a embarcação, pois, para tanto, geralmente é necessário que o submarino esteja emitindo algum tipo de som, elétrico ou mecânico. “Na busca, também podem ser usados sistemas que mapeiam o fundo do oceano e procuram por anomalias, mas esse método cobre uma área muito pequena. É um processo lento”, diz Eric Wertheim, especialista do Instituto Naval dos Estados Unidos. “Sabemos mais sobre o espaço sideral do que sobre o fundo do mar.”
Outra possível explicação para o acidente é a situação precária da Marinha argentina. A exemplo do que acontece no Brasil, boa parte do orçamento das Forças Armadas é usada no pagamento de salários e aposentadorias. O que sobra, cerca de 20% no caso argentino, vai para a compra de equipamentos. O ARA San Juan foi fabricado pela empresa alemã ThyssenKrupp e entregue em 1985. Em 2008, passou por uma revisão para que pudesse continuar operacional. Para trocar os quatro motores a diesel, foi preciso cortá-lo ao meio e depois soldá-lo. O conserto, que durou sete anos, foi feito quando Cristina Kirchner era presidente e o país anunciava com orgulho que estava recuperando sua capacidade de operar submarinos. A restrição financeira, porém, faz com que alguns dos barcos da frota argentina só naveguem onze dias ao longo de um ano. Já os submarinos do país ficam submersos dezenove horas por ano. “Isso não é suficiente para garantir a eficiência da frota, por mais que se tente. O ARA San Juan já tinha mais de trinta anos e devia ser difícil mantê-lo em funcionamento”, diz o historiador e analista naval australiano James Goldrick. Mas só um estudo da embarcação poderá solucionar o mistério do acidente com o ARA San Juan.
Publicado em VEJA de 29 de novembro de 2017, edição nº 2558