Um tiro no pé
As ideias de Bolsonaro na área ambiental podem provocar um efeito contrário ao que se deseja e resultar em prejuízos para a economia
Com toda a falta de sutileza e profundidade no discurso presidencial, o governo Jair Bolsonaro vem obtendo, sim, alguns avanços importantes na área econômica. Nesta semana, por exemplo, foi aprovada na Câmara a MP da Liberdade Econômica, que facilita o ambiente de negócios aos empreendedores brasileiros. Levando-se em consideração que há outras conquistas já realizadas e algumas mais em andamento, não é exagero dizer que, embora a situação da economia seja de grave enfermidade, o Brasil está tomando, pela primeira vez em muito tempo, os remédios corretos. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito em relação ao tema do meio ambiente. Além de ter feito declarações estapafúrdias e até escatológicas, com sugestões para as pessoas visitarem menos o banheiro, Bolsonaro vem promovendo de forma consistente o afrouxamento e o descrédito dos controles na área ambiental (leia a reportagem). Trata-se de um grave equívoco, com consequências negativas para a reputação do país no exterior e para o PIB brasileiro.
O presidente parte da premissa de que o país precisa crescer e, portanto, não deve paralisar o seu desenvolvimento em razão de uma colônia de rãs ou de ninhos de passarinhos. Até aí, ele está correto. Houve, sim, nos últimos anos um exagero de ações ambientais que atrasaram ou impediram obras vitais para a infraestrutura brasileira. A questão é que as generalizações são perigosas e a realidade, bem mais complexa. Ao transferir esse raciocínio para toda situação ligada à sustentabilidade, Bolsonaro pode provocar o efeito contrário ao que deseja. Além de representarem uma oposição sistemática a temas de comprovação científica, como o aquecimento global e o desmatamento de florestas, a defesa da mineração em terras indígenas e a plantação de grãos na Amazônia não trarão o desenvolvimento econômico pretendido. Pontualmente, essas medidas podem beneficiar grupos de garimpeiros e grileiros de terra. Mas os aportes necessários para o crescimento não virão daí. As grandes corporações, independentemente da área de atuação, obedecem a uma lógica global de respeito à natureza. Existem regras de compliance e orientações do Banco Mundial que incentivam ou obrigam empresas e fundos internacionais a ter esse tipo de comportamento. Quebrar essa lógica acarreta restrições de financiamento e prejuízos de imagem.
Mais do que não receber novos investimentos em mineração, por exemplo, tais medidas ainda podem atrapalhar a boa performance do agronegócio brasileiro no exterior. Trata-se de um grande jogo internacional, em que os produtores brasileiros se confrontam com competidores americanos e a resistência de agricultores europeus. Qualquer fator é utilizado pelos adversários como um ponto fraco a ser explorado — e o desrespeito ao meio ambiente é um deles. Como lembrou a revista The Economist em reportagem recente, diante de tal descaso, os consumidores do exterior podem inclusive pressionar as fabricantes de alimentos a não comprar as commodities brasileiras. Portanto, não são apenas protestos de ambientalistas em embaixadas brasileiras ou uma campanha da esquerda globalista contra o progresso. A decisão de ignorar os aspectos mais profundos da questão ambiental pode trazer graves prejuízos ao Brasil e sua economia. Nem sempre uma abordagem simples é capaz de solucionar um problema complicado.
Publicado em VEJA de 21 de agosto de 2019, edição nº 2648