A substituição do presidente da República pelo vice-presidente em suas ausências do país é flagrantemente desnecessária, além de dispendiosa. Torna-se difícil justificá-la na era das comunicações instantâneas, da internet, do Skype e do WhatsApp.
O cargo de vice-presidente brasileiro inspirou-se no correspondente da Constituição americana, cuja criação suscitou resistência. Assim disse Alexander Hamilton no Artigo Federalista Nº 68, um dos 85 textos que ele, James Madison e John Jay escreveram para explicar a Constituição, cuja vigência exigia a aprovação de pelo menos nove dos treze estados de então. Ter o apoio de Nova York, o alvo dos artigos, era considerado essencial.
Falava-se, assinalou Hamilton, que o cargo era supérfluo, “se não malicioso”, mas levou-se em conta que “o vice-presidente pode ocasionalmente substituir o presidente”. A ideia já constava na Constituição do Estado de Nova York, que previa o cargo de governador substituto (lieutenant-governor) para o caso de morte do titular.
Pelo artigo 2º, seção I, item 6 da Constituição americana, o vice-presidente assume o cargo “no caso de destituição do presidente por morte, renúncia ou incapacidade de exercer os poderes e deveres do cargo” (em tradução livre). Na história americana, apenas dois vice-presidentes o exerceram interinamente, por incapacidade do titular (problemas graves de saúde). Oito deles assumiram por morte e um por renúncia. Não há substituição quando o presidente viaja para o exterior. Ele permanece no cargo e toma decisões onde estiver.
Poderia ser o mesmo no Brasil, pois nas viagens ao exterior o presidente mantém-se conectado e decide. Ele poderia sancionar leis, assinar decretos e firmar outros documentos. A assinatura eletrônica já funciona no governo federal. A regra de substituição nessas ausências é retrógrada.
Vice-presidentes e presidentes dos outros poderes (Câmara, Senado e Supremo Tribunal Federal) que assumem temporariamente despacham no gabinete presidencial. Muitos posam para fotos com familiares. Um deles encheu de amigos um avião e foi à sua cidade natal logo que assumiu, para lá ser visto como presidente da República. A prática e todos os seus badulaques se repetem em estados quando os governadores se ausentam do país.
Uma situação surreal acontece em épocas como a atual. Sempre que o presidente Temer sai do país, os presidentes da Câmara e do Senado inventam uma viagem ao exterior. Dão a vez à presidente do STF. Eles se tornariam inelegíveis se assumissem o cargo. Haja gasto!
É hora de rever esse hábito sem sentido. O presidente e os governadores devem permanecer no exercício do cargo quando estão fora do território nacional. Vale também examinar a extinção dos cargos de vice-presidente e vice-governador. No impedimento, haveria nova eleição. Se faltasse pouco tempo para a conclusão do mandato, a escolha seria feita pelo Congresso ou pelas Assembleias Legislativas.
Publicado em VEJA de 2 de maio de 2018, edição nº 2580