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Madonna fala com exclusividade a VEJA: ‘Serei rebelde até o fim’

Madonna fala de sua admiração por símbolos e conceitos católicos (fora a culpa, claro), critica Trump e elogia a cultura de Portugal, país onde está morando

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 Maio 2024, 16h40 - Publicado em 22 set 2017, 06h00

Com o inesquecível sutiã de formas cônicas, Madonna, aos 31 anos, subia ao palco da turnê Blond Ambition. Era 1990 e a cantora já carregava uma dezena de hits e controvérsias na carreira, iniciada oficialmente em 1983. Mas aquele show estabeleceria uma nova régua para a ousadia e a provocação em espetáculos megalômanos de música pop — um padrão que seria reproduzido a perder de vista por nomes como Britney Spears, Miley Cyrus e Lady Gaga. O visual de ameaçadoras pontas e arestas assinado pelo estilista francês Jean Paul Gaultier entrou para o cânone sagrado da moda. Uma certa estética gay ganhou mais visibilidade internacional. E a performance de Like a Virgin, que Madonna cantava em uma cama enquanto simulava masturbar-se, foi condenada pelo Vaticano e quase virou caso de polícia, com a cantora acossada pelas autoridades em Toronto, no Canadá. O adjetivo “icônico”, tão desgastado pelo uso, serve perfeitamente para muito do que a material girl fez ao longo de sua agitada carreira — e cabe, especialmente, para Blond Ambition, turnê que foi retratada no filme Na Cama com Madonna.

Quase três décadas depois, a cantora de 59 anos segura com desenvoltura seu lugar entre a realeza da indústria musical. Rebel Heart Tour, sua décima turnê — que, encerrada em 2016, chega em DVD às lojas no dia 29 —, arrecadou 170 milhões de dólares. Na soma histórica, Madonna já vendeu 1,31 bilhão de dólares em ingressos, valor que a põe no topo do ranking das artistas femininas mais bem-sucedidas no palco. No show que se vê no DVD, o cruzamento explosivo de sexualidade com religião continua no centro dos holofotes. A tão debatida masturbação de Blond Ambition, por exemplo, é aludida com ironia na turnê do ano passado: Madonna diz que vai tocar seu instrumento favorito e dedilha uma canção até que os dedos se aproximem, insinuantes, de seu sexo, ao som de um piano. Em outro momento, a cantora, que já se apresentou pregada a uma cruz, faz pole dance no símbolo cristão, acompanhada de dançarinas fantasiadas de freiras sensuais.

Sagrado e profano – A coreografia que arremedava a Santa Ceia no show Rebel Heart: redenção e salvação são “conceitos poderosos”
Sagrado e profano – A coreografia que arremedava a Santa Ceia no show Rebel Heart: redenção e salvação são “conceitos poderosos” (Kevin Mazur/Live Nation/Getty Images)

Atualmente de férias dos palcos, Madonna desfruta a calmaria de Portugal. Ao lado dos quatro filhos adotivos, David, 11, Mercy, 11, e as gêmeas Estere e Stella, 5, a americana se mudou para Lisboa — onde o garoto mais velho treina com o time juvenil de futebol do Benfica. Enquanto exerce o papel de mãe coruja, ela diz buscar inspiração na atmosfera artística do país. Seu encantamento pela capital lusitana é evidente na sua conta do Instagram, cheia de fotos da noite lisboeta. Falando a VEJA, por telefone, Madonna arriscou umas palavrinhas em português (“Vamos começar” foi a frase mais elaborada). Conversou sobre religião e política, criticou Donald Trump — e elogiou o vinho português.

A abertura da turnê Rebel Heart é repleta de referências religiosas. Por que você volta sempre aos símbolos católicos? A religião é inspiradora. Cresci em um ambiente católico e continuo a filosofar sobre os significados dos símbolos cristãos. O sofrimento de Jesus em uma cruz ou a dor de Maria ao ver o filho morrer são imagens fortes e belas, assim como a simples essência da confissão: ajoelhar-se diante de uma tela de madeira e dizer a um total estranho seus pecados e suas aflições. São insígnias que uso em meu show. Os conceitos de redenção, salvação e ressurreição são admiráveis e poderosos.

Mas você também mescla a religião com elementos profanos. No show, a Santa Ceia tem uma coreografia nada religiosa. Exploro essas referências, mas não pela exata interpretação cristã das Escrituras. Sou fascinada pela ideia de Deus ter se transformado em um ser humano. Para mim, a história de Jesus fala sobre crescimento, e sobre uma revolução. Não é uma mensagem para levar as pessoas a se sentir culpadas.

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Em Lisboa – Com uma das filhas em foto do Instagram: boa música e bom vinho
Em Lisboa – Com uma das filhas em foto do Instagram: boa música e bom vinho (Reprodução/Instagram)

Como compara a turnê atual com a Blond Ambition, que chocou pelo uso de símbolos religiosos? Sinto que multiplicamos por 1 milhão o que era feito em Blond Ambition. Cavamos mais fundo, exploramos tabus de forma mais detalhada. Aprecio a simplicidade de Blond Ambition, mas agora a tecnologia nos oferece mais recursos visuais.

Você é opositora de Donald Trump. Podemos esperar críticas ao presidente no seu próximo disco? Não sei. Já disse o que tinha a dizer sobre ele. E nem sei quem estará na Presidência quando meu álbum sair.

Mas a crítica política fará parte do disco? Posso fazer comentários sobre isso nas minhas músicas, mas não será particularmente sobre uma pessoa. Os líderes mundiais estão afundando a sociedade em pensamentos insensíveis e conservadores. Com a economia em colapso, as pessoas acham que o melhor é confiar nossos governos a empresários de sucesso. Mas não é assim que as coisas funcionam. Ser o líder de uma nação exige diplomacia, experiência, capacidade intelectual. É um emprego colossal, e cada vez mais pessoas desqualificadas estão conquistando esse papel. Quero falar em minhas músicas sobre como chegamos a esse ponto. Não podemos continuar culpando nossos líderes, temos de culpar a nós mesmos. Precisamos nos envolver com o mundo e pedir pelas mudanças que queremos.

O disco American Life, de 2003, foi mal recebido por ter entrado em matéria política. Seria diferente hoje? A sociedade não se sente confortável com uma mulher, cantora pop, falando sobre política. Mas as pessoas ficaram especialmente irritadas porque critiquei os Estados Unidos — o estilo de vida, o sonho americano, o sistema de crenças, o governo, a política. Americanos não querem ouvir críticas. Querem pensar que vivem em um país onde há justiça e igualdade, um exemplo de democracia e liberdade. Sabemos que nada disso é verdade, sobretudo hoje.

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Como está seu português agora que você vive em Lisboa? Continua terrível. Tenho amigos que corrigem minha pronúncia. Sou mais familiarizada com o português do Brasil, o de Portugal me parece mais difícil. Mas me viro falando um pouco de espanhol.

Que tal a música da noite lisboeta? É extraordinária a quantidade de ótimos músicos que escuto em Portugal. Espero trabalhar com esses músicos em shows mais intimistas. Vai ser uma fase interessante da minha carreira. Me inteirar da cultura local é parte do motivo pelo qual estou aqui. E, claro, o vinho é maravilhoso.

Depois de trinta anos de carreira, não cansou da rebeldia? Não, não, não. Não estou cansada. Eu me sinto ainda mais enérgica. Com mais força para lutar por aquilo em que acredito. Sou uma rebelde e serei rebelde até o fim.

Publicado em VEJA de 27 de setembro de 2017, edição nº 2549

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