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Que sigam as reformas

O país saiu do abismo econômico, mas derrapou no abismo ético: tramoias políticas corroeram o ímpeto de ajustes mais profundos

Por Marcelo Sakate Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h55 - Publicado em 22 dez 2017, 06h00

O adiamento da votação da reforma da Previdência na Câmara, agora marcada para fevereiro — se não houver novas surpresas pelo caminho —, não deixou de ser um desfecho previsível para o que foi a economia brasileira em 2017. O ano se iniciou sob o auspício de propostas ousadas de ajustes nas contas públicas e abertura aos investimentos. Michel Temer estufava o peito para se autoproclamar um presidente reformista e esperava ser reconhecido por ter colocado o país de volta no caminho do crescimento. As coisas acabaram não sendo bem assim. Houve avanços, decerto, como a retomada das privatizações, a queda da inflação e a redução nos juros. Entretanto, as perspectivas de uma recuperação mais acelerada foram comprometidas pela crise política detonada pela delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista, em maio. Temer retraiu-se ao papel de articulador defensivo em busca da própria sobrevivência. O vigor reformista ficou em segundo plano. A aprovação da nova legislação trabalhista, um avanço em relação ao anacronismo anteriormente vigente, foi um projeto articulado todo no Congresso, e não obra direta de Temer.

Para o presidente e seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a mãe de todas as reformas sempre foi a da Previdência. É esse projeto que dará a sinalização de um equilíbrio futuro nas contas do governo. Sem ele, a dívida pública continuará em alta, será difícil derrubar os juros (ainda elevadíssimos no cotejo internacional), faltará verba para os investimentos e o crescimento econômico continuará medíocre. Em seu esforço final para levar a proposta de reforma da Previdência a votação, nas últimas semanas de 2017, o governo descobriu que o apoio era insuficiente e passava longe dos 308 votos necessários na Câmara, mesmo com um projeto, nascido ambicioso no fim de 2016, já diluído e desfigurado sob pressão dos grupos organizados de interesse. É altamente improvável que se aprove uma reforma profunda no decorrer de 2018, com eleição e acirramento dos embates políticos. Já se discute em Brasília a possibilidade de desfigurar ainda mais o texto, aliviando a regra de transição para os servidores federais.

Vale lembrar que a grande disparidade das contas previdenciárias está justamente no sistema que paga os benefícios dos funcionários públicos. O adiamento definitivo da reforma deixa um legado desolador para o próximo governo. Com o aumento nas despesas com aposentadorias, ficará praticamente inviável respeitar o teto dos gastos públicos em 2019. Nesse cenário, o governo se veria obrigado a fazer ainda mais cortes em outras áreas, como investimentos e programas sociais — e talvez nem isso seja suficiente para cumprir a meta. O próximo ano vai testemunhar os primeiros efeitos da nova legislação trabalhista, que entrou em vigor em novembro. Será possível identificar se a flexibilização das regras, como, por exemplo, a implantação da jornada intermitente, trará o resultado esperado para a criação de empregos. Os advogados lembram que ainda levará algum tempo para que seja estabelecida uma jurisprudência nos tribunais trabalhistas.

Como aspecto positivo, ficaram no passado os dias dos desvarios à la Dilma Rousseff na economia. A atual equipe dispõe de credibilidade para preservar a estabilidade e consolidar a retomada, embora em ritmo mais modesto em relação ao que poderia ocorrer caso Temer não tivesse sido maculado pela sua soirée com Joesley. Existe a possibilidade de manter uma agenda de ajustes econômicos nos próximos meses. Há muito a ser feito, para além da Previdência. “Avançar nas reformas é uma questão que vai além de interesses do governo atual”, afirma o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper. O governo poderá batalhar por reduzir a burocracia e rever subsídios. As privatizações e os leilões públicos previstos para 2018 deverão trazer dólares valiosos para o país, que contribuirão para a travessia de 2018. Está prevista, por exemplo, a venda de parte da Eletrobras e da Ferrovia Norte-Sul (leia mais na pág. 85). Outra reforma essencial é a tributária. Um projeto circula no Congresso e deverá ser levado a votação depois de uma definição (para o bem ou para o mal) da reforma da Previdência.

Para a economista Monica de Bolle, do Peterson Institute for International Economics, em Washington, há uma série de questões fundamentais que continuaram em segundo plano no governo Temer, mas que precisam entrar no programa dos candidatos à Presidência e, consequentemente, no debate eleitoral. “O Brasil está há anos tentando reduzir a desigualdade, mas a maior parte dos programas sociais é ineficiente. O sistema tributário deveria ajudar, mas penaliza os mais pobres e induz à concentração de riqueza. É fundamental discutir quais políticas podem ser mais eficazes”, afirma ela.

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Outro ponto é a definição de uma estratégia para a abertura comercial e a inserção do Brasil nas cadeias globais de produção. Os avanços obtidos nos últimos meses retiraram o país de uma de suas maiores recessões, mas foram tímidos diante do que outras nações em desenvolvimento estão realizando. “O Brasil está em um momento de inflexão. A campanha eleitoral será uma oportunidade para que a sociedade discuta seus principais problemas”, diz Monica de Bolle. “Se não for assim, estaremos condenados ao ciclo de mediocridade que estamos vivendo.” Como os ajustes dos últimos meses tiraram o país do abismo, a retomada econômica, na avaliação de Marcos Lisboa, deveria servir de exemplo para a sociedade sobre a importância de enfrentar as fragilidades institucionais. “Será que desta vez aprendemos a lição e vamos reconhecer que as reformas ajudam o país a ficar melhor e, portanto, é necessário que elas tenham continuidade?”, questiona. O mercado de trabalho começou a dar sinais de reação, e 2,3 milhões de pessoas conseguiram uma ocupação nos últimos seis meses. A inflação está controlada e caiu ao menor patamar em duas décadas. As empresas reduziram o endividamento e se preparam para voltar a investir na ampliação da capacidade. A roda econômica voltou a girar, ainda que vagarosamente. Acelerar o ritmo exigirá aprofundar as reformas. Eis aí algo que, definitivamente, precisa ser mantido.

Publicado em VEJA de 27 de dezembro de 2017, edição nº 2562

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