Prefeito em fúria
Criticado pelo excesso de viagens e com a popularidade em queda nas pesquisas, João Doria assusta aliados ao vociferar em público contra um correligionário
Era para ser um pouco pior. O vídeo em que o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), chama um correligionário tucano de “improdutivo”, “fracassado” e “medíocre” foi divulgado em sua segunda versão — amenizada. No dia 7, durante viagem a Belém para assistir ao Círio de Nazaré, o prefeito recebeu de mais de um assessor um filme em que o ex-governador Alberto Goldman (PSDB-SP) o criticava dizendo que os paulistanos “não tinham prefeito”. Furioso, Doria gravou em resposta um vídeo que ele próprio, ao ver, achou “forte demais”. As palavras eram as mesmas, mas a expressão de raiva lhe desagradou. A segunda tentativa saiu a contento. “Hoje meu recadinho vai para você, Alberto Goldman, que viveu sua vida inteira na sombra de Orestes Quércia e do José Serra. Você é um improdutivo, um fracassado. Você coleciona fracassos na sua vida e agora vive de pijamas na sua casa”, disse o prefeito. “Viva com a sua mediocridade que fico com o povo.”
Goldman, aliado histórico de Serra, nunca escondeu a antipatia por Doria. A qualquer um que lhe pergunte, não se furta a dizer que o considera “uma farsa”. No vídeo divulgado no “Doria News”, portanto, o prefeito não estava tomando a iniciativa de criticar um colega de partido, mas respondendo a provocações — e usando o mesmo tom que costuma usar para desferir ataques estratégicos contra Lula, a quem trata como um rival.
Ao exceder-se no tom e no conteúdo da resposta a Goldman, porém, Doria sinalizou que: 1) lida mal com críticas, venham elas de onde vierem; 2) cai facilmente em provocações; 3) possui ao menos duas características altamente indesejáveis para quem deseja ser candidato à Presidência. “Ele começou bem, mas vem errando na estratégia e se mostrando ansioso e precipitado demais”, diz um grão-tucano que tem relações estreitas com o prefeito. “Precisa ser mais frio.”
Frieza não é, de fato, o forte do prefeito. Subordinados relatam que ele costuma ter arroubos de fúria quando algo sai errado — um sistema de som que não funcione a contento num evento, por exemplo, é suficiente para que ele destrate um secretário em público. Em momentos críticos, quando precisa decidir se dá vazão à raiva ou contemporiza, Doria quase sempre escolhe a primeira opção. Em abril de 2017, foi objeto de um artigo do cientista político André Singer. Alinhado ao PT e ex-assessor de Lula, Singer escreveu que considerava a hipotética candidatura de Doria ao Palácio do Planalto uma “aventura desesperada”. O tucano ficou furibundo, mas foi aconselhado por assessores a deixar o ataque de lado. Em vez disso, publicou uma carta com insulto pessoal, dizendo que Singer deveria ir “passear em Curitiba”.
As atitudes intempestivas do prefeito, suas frequentes ausências da cidade e, sobretudo, a queda de 9 pontos em seu índice de aprovação na última pesquisa Datafolha fizeram ressurgir entre peessedebistas uma súbita saudade do governador Geraldo Alckmin, outro postulante ao cargo de candidato tucano nas eleições do ano que vem. “Geraldo joga parado e não é mercurial, como o Doria. Quem é mercurial não encara uma campanha presidencial”, diz um deputado do PSDB que até outro dia apostava suas fichas no prefeito.
Para tentar virar o vento, Doria tem compartilhado sistematicamente com amigos, via WhatsApp, qualquer pesquisa ou análise que aponte seu nome como mais viável que o de Alckmin para concorrer em 2018. O último compartilhamento mostrava uma sondagem feita pela consultoria Eurasia. Já levando em conta a queda no Datafolha, o estudo afirmava que o resultado da pesquisa dizia “muito pouco” sobre a competitividade do prefeito num cenário de eleição nacional. Mais que dividir análises favoráveis, porém, o prefeito terá de convencer aliados de que o tom belicoso que costuma usar contra adversários, e que até há pouco tempo soava estratégico, não é na verdade um impulso difícil de controlar.
Com Eduardo Golçalves
Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2017, edição nº 2552