Para o alto e avante
Corte de impostos aprovado por Trump joga gasolina na já aquecida economia americana e deverá reduzir ainda mais a competitividade das empresas brasileiras
Os Estados Unidos estão perto de alcançar o pleno emprego, situação na qual o total de pessoas sem trabalho é o menor possível sem que haja o superaquecimento da economia. A atual taxa de indivíduos desocupados, de 4,1%, é um terço da brasileira. Apesar da consistência na retomada, iniciada no governo de Barack Obama, o presidente Donald Trump cumpriu uma de suas promessas de campanha e decidiu pisar mais fundo no acelerador. Conseguiu aprovar a mais radical redução de impostos no país em três décadas. Uma das principais alterações foi a queda do imposto de renda cobrado de empresas, que passará de 35% para 21% sobre os lucros. Existem sérias dúvidas sobre como o rombo orçamentário será coberto no futuro, mas, a curto prazo, não há dúvida sobre o efeito da novidade: será como jogar gasolina nas labaredas. Evidentemente, os investidores estão em festa. O Índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, acumula alta de 30% em relação a janeiro de 2017 e encontra-se no maior patamar da história. A redução de impostos de Trump foi elogiada até por críticos de seu governo, como o CEO do Goldman Sachs, Lloyd Blankfein. “Não quero ser hipócrita. Gostei de verdade do que Trump fez pela economia”, disse ele. A medida foi tão importante que o Fundo Monetário Internacional (FMI) revisou para cima, de 3,7% para 3,9%, sua estimativa de crescimento global neste ano em razão da lei.
No Fórum Econômico de Davos, na Suíça, o secretário do Tesouro dos EUA, Steven Mnuchin, festejou a nova lei e sua capacidade de atrair negócios. O objetivo de aquecer ainda mais a economia americana, no entanto, conta apenas uma parte da história. Mais ao fundo está a disputa global pela atração de investimentos produtivos, que geram riqueza, conhecimento e empregos de qualidade. É uma corrida que interessa muito ao Brasil. Trump nunca escondeu, desde a campanha, que não se conforma com a estratégia de internacionalização de muitas companhias americanas. Um de seus alvos preferidos é a Apple, acusada de evitar o pagamento de bilhões de dólares em impostos ao manter subsidiárias em países onde a taxação é menor, em especial a Irlanda, que cobra uma alíquota que chega a ser de 6,5%, uma das menores do mundo (veja o quadro abaixo). A redução de tributos é uma das principais armas para que um país se torne mais competitivo, e virou uma tendência global a partir de 2015. No ano passado, também a Argentina aprovou o corte do imposto cobrado das empresas, que cairá de forma gradual de 35% (em 2017) para 25% até 2020. Mesmo a França, tradicionalmente um país com elevada carga tributária, seguiu esse caminho: por iniciativa do presidente Emmanuel Macron, o Legislativo aprovou no último ano uma reforma que reduz de 33,33% para 25% (em 2022) o tributo sobre as empresas.
Quem fica isolado no grupo das maiores economias do mundo é o Brasil, que cobra um imposto de renda de 34% das companhias. “O Brasil é diretamente impactado pela reforma americana. As empresas do país vão perder competitividade em relação às americanas”, diz Durval Portela, sócio da consultoria PwC Brasil. Há outros exemplos de como o Brasil poderá ficar para trás. A reforma de Trump passa a isentar os lucros de subsidiárias americanas no exterior que são remetidos de volta para os Estados Unidos na forma de dividendos. Isso pode derrubar os investimentos dos grupos americanos no Brasil, porque eles terão estímulo para repatriar lucros obtidos aqui.
No Brasil, o peso está não apenas no tamanho da carga, mas também em sua complexidade. As grandes empresas gastam, em média, mais de 2 000 horas por ano para lidar com toda a burocracia. Existe um projeto de reforma pronto para ir a votação no Congresso, mas a tramitação foi emperrada pelo suspense a respeito da reforma previdenciária. Pior para as empresas brasileiras — e para o país.
Em Davos, otimismo inédito
Nos encontros do Fórum Econômico Mundial, em Davos, alternam-se períodos de forte apreensão com a economia global e tempos de maior euforia. Em janeiro de 2017, o clima era fúnebre. Donald Trump estava prestes a ser diplomado 45º presidente dos Estados Unidos e já havia defenestrado toda a cartilha de globalização defendida pelos “davosmen”. Esperava-se o pior. Um ano transcorreu, e a atmosfera na estação suíça passou de um extremo ao outro. Quem frequenta o evento desde os primórdios, na década de 80, diz que nunca houve ano em que o topo da pirâmide mundial esteve tão otimista quanto ao futuro, graças à perspectiva de aceleração da economia em todas as regiões do planeta. Tal avaliação foi traduzida em números em pesquisa feita pela consultoria PwC que mediu a alta inédita na confiança dos CEOs em relação ao futuro. A abundância de capital chegou a tal ponto que Larry Fink, presidente do BlackRock, um dos maiores e mais agressivos fundos de private equity do mundo, defendeu, no fórum, a inclusão financeira dos mais pobres, e não mais medidas que acelerem a economia.
A Índia foi a estrela emergente da vez. Deve crescer 7,4% em 2018, mais que a China. Seu primeiro-ministro, Narendra Modi, foi ao fórum para discursar em favor da “liberdade” e da “globalização” diante de um auditório lotado, com mais de 1 000 pessoas. Para uma sala tão cheia quanto, Donald Trump também deu seu recado de prosperidade. E o empresariado de Davos não pareceu desconfiar de suas promessas de grandes retornos e baixos riscos. Coube a Dave Rubenstein, presidente do fundo Carlyle, outro perseguidor voraz de grandes retornos, dar o sinal de atenção em meio à euforia: “Quando as pessoas estão tão felizes e confiantes, algo errado acontece”.
Ana Clara Costa, de Davos
Publicado em VEJA de 7 de fevereiro de 2018, edição nº 2568