O momento de fraqueza
'Churchill' exibe o primeiro-ministro inglês como poucas vezes antes: em pânico e em depressão com a ideia de mandar milhares de soldados para a morte
Em filmes como O Destino de uma Nação, que deve estrear aqui em janeiro, o Winston Churchill (1874-1965) que se costuma retratar é o capaz de exortar, como nenhum outro, uma Inglaterra abatida pela guerra a manter-se firme: o líder que fez da derrota militar em Dunquerque uma vitória de espírito, e que se mostrou incansável durante o período terrível dos bombardeios nazistas a Londres. Em Churchill (Inglaterra, 2017), que estreia nesta quinta-feira no país, o primeiro-ministro é, porém, uma figura diversa. Às vésperas da Operação Overlord — a invasão da Normandia pelos Aliados, em 6 de junho de 1944, ou Dia D —, Churchill (Brian Cox) remancha e recalcitra na tentativa de espanar a engrenagem. Intromete-se nos planos do general americano Dwight Eisenhower (John Slattery) e do marechal britânico Bernard Montgomery (Julian Wadham), constrange subordinados expedindo contraordens, faz o que pode para aliciar George VI (James Purefoy). Ouve horrores da mulher (Miranda Richardson), irritada com essa versão infantil e acovardada do marido. Mas não se contém: tem a certeza de que a Overlord vai fracassar, e que terá de carregar na consciência um massacre.
Churchill tinha precedentes para essa crença. Na I Guerra, em 1915, como primeiro-lorde do Almirantado, fora o idealizador de um desembarque maciço em Gallipoli, na Turquia — campanha que terminou com a vitória dos otomanos e meio milhão de mortes. O primeiro-ministro sabidamente podia ser controlador, cansativo e apegado ao poder (como na ótima caracterização de John Lithgow na série The Crown). Mas raras vezes é visto em pânico, como aqui. O momento de fraqueza lhe é lisonjeiro: por mais colossal que fosse sua força, e que seja seu lugar na história, o filme faz lembrar que todo dia, antes de ser todo-poderoso, ele acordava um homem.
Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2017, edição nº2550