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Na encruzilhada

O BNDES lança um livro para se defender das acusações de ter se envolvido em operações irregulares, mas não consegue dissipar todas as suspeitas

Por Giuliano Guandalini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 18h36 - Publicado em 22 jul 2017, 06h00

As investigações de suspeita de irregularidades nas transações do BNDES com a JBS, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, resultaram na Operação Bullish, em maio passado. Houve a condução coercitiva de 37 executivos do banco. As suspeitas de favorecimento indevido aos reis do gado também são alvo de análise do Tribunal de Contas da União (TCU). As batidas policiais e o aperto dos auditores causaram um mal-estar profundo dentro do BNDES. Alguns funcionários ficaram indignados com a investigação e armaram um protesto na porta da instituição, no centro do Rio. Outros, nos bastidores, promoveram a fritura da então presidente do banco, Maria Silvia Bastos Marques, que não resistiu às pressões. Pediu demissão duas semanas depois da Bullish. Foi substituída pelo economista Paulo Rabello de Castro, que vem se empenhando na defesa do banco. Com o intuito de dar uma resposta aos críticos da instituição, ele encomendou a produção de um relatório de mais de 200 páginas sobre as atividades do BNDES nos últimos anos. O documento, chamado de Livro Verde — Nossa História Tal como Ela É, passa por casos controversos, como o financiamento da construção do Porto de Mariel, em Cuba, pela Odebrecht, os créditos concedidos ao Grupo EBX, de Eike Batista, e também os aportes feitos à JBS. As informações, entretanto, ficam na superfície. O esforço foi todo no sentido de isentar o banco de qualquer deslize.

A respeito da JBS, o Livro Verde descreve brevemente como o apoio do banco público, num total de 8,1 bilhões de reais, foi essencial para a internacionalização da empresa, cujo faturamento saltou de 4 bilhões de reais, em 2005, para 170 bilhões de reais, em 2016. O BNDES, entretanto, não entra em detalhes específicos acerca das transações sob investigação. Limita-­se a dizer que o resultado líquido do banco com as operações estava positivo em 3,6 bilhões de reais no fim de 2016, antes da crise provocada pelas delações de Joesley. Não fornece nenhuma explicação sobre as operações de aquisição de ações da JBS feitas pela BNDES Participações (BNDESPar).

De acordo com análises de técnicos do TCU, o banco público acabou aprovando a aquisição de ações por pre­ços superiores aos de mercado e também acima do estipulado anteriormente em contratos. O prejuízo para o Erário, segundo estimativas atualizadas, seria da ordem de 850 milhões de reais. Ainda assim, Rabello de Castro garante que o investimento na JBS foi um dos “negócios mais bem bolados e bem-sucedidos da BNDESPar”. Defendeu, portanto, as transações feitas quando o presidente do banco era o economista Luciano Coutinho, um dos alvos da Bullish.

A BNDES Participações é o braço do BNDES voltado para a compra de participações acionárias em companhias. Em uma operação típica, a BNDESPar entra como sócia de uma empresa com potencial de crescimento e, mais tarde, vende as ações com lucro. Nos anos Lula, o amparo da estatal de investimentos foi decisivo para o avanço internacional da JBS. A BNDESPar chegou a deter 33% do capital acionário do frigorífico, atrás apenas da própria família Batista. Até aí, nada de particularmente suspeito. Esse tipo de negócio faz parte da rotina do banco. Mas as peculiaridades de algumas transações chamaram a atenção do TCU. Foram três operações de aquisição de participação acionária na JBS. A primeira, de 1,1 bilhão de reais, ocorreu em 2007. Teve como objetivo levantar capital para a compra da americana Swift. Em 2008, um novo aporte, de 1 bilhão de reais, possibilitou a aquisição de três outras companhias nos Estados Unidos. Por fim, em 2009, a BNDESPar colocou 3,5 bilhões de reais na JBS, por meio da compra de títulos (debêntures) conversíveis em ações. O dinheiro foi usado pelos Batista na fusão com a Bertin e na compra da processadora de frangos americana Pilgrim’s Pride.

TUDO CERTO – Rabello, atual presidente do BNDES: negócio “bem bolado”
TUDO CERTO – Rabello, atual presidente do BNDES: negócio “bem bolado” (Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo)
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O TCU questiona os critérios empregados para a determinação dos valores de referência das ações utilizados nas três operações. No caso da capitalização de 2008, por exemplo, o contrato estipulava que fosse levada em consideração a média da cotação dos últimos noventa pregões. Mas esse parâmetro foi alterado pela JBS para 120 pregões. Resultado? O valor da ação usado como referência ficou em 7,07 reais, em vez de 5,90, caso se lançasse mão da regra original. Ou seja, o preço ficou 20% mais alto. Segundo Luciano Coutinho e o BNDES, a operação foi concretizada, apesar da troca de critério, porque o preço continuava vantajoso, diante da expectativa de valorização futura das ações. Em relação à operação de 2009, a conversão das debêntures em ações poderia ser feita em 2012, pela cotação média dos sessenta dias anteriores, com um piso estipulado em 6,50 reais. Em 2011 a JBS propôs uma nova operação, em outras condições, e o BNDES julgou conveniente aprová-la. Houve a decisão de antecipar a capitalização das debêntures, e o preço da ação ficou em 7,04 reais — 8% acima dos 6,50 previstos como piso no contrato original e 22% além dos 5,77 reais pelos quais as ações da JBS eram vendidas no dia da concretização da operação. Mais uma vez, Coutinho e o BNDES afirmam que, mesmo nas novas condições, o negócio foi conveniente, tendo em vista as circunstâncias de mercado naquele momento. O TCU não se convenceu e em breve julgará o mérito das operações. Em sua delação premiada, Joesley Batista isentou os técnicos do BNDES de irregularidades e garantiu que nunca pagou propina em seus negócios com o banco, mas afirmou que Guido Mantega, então ministro da Fazenda, era decisivo na hora de liberar operações de crédito.

Enquanto ainda batalha para se defender de suspeitas, o BNDES se vê agora diante do risco de ser posto em uma nova empreitada duvidosa. Como forma de ajudar o Rio de Janeiro, o governo Temer solicitou ao banco público que avaliasse a possibilidade de comprar a Cedae, a companhia fluminense de água e esgoto. Seria uma maneira de antecipar os recursos que deverão ser obtidos com a privatização da estatal. O valor estimado é de 3 bilhões de reais. A compra seria tocada pela BNDESPar. O banco, que informou estar avaliando o negócio, pode ficar com um grande mico nas mãos caso a privatização seja malsucedida. Mais uma vez, o BNDES poderá ser usado como instrumento político, em vez de cumprir sua função primordial de incentivar os projetos de interesse social.

Publicado em VEJA de 26 de julho de 2017, edição nº 2540

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