Freio aos populistas
Eles já se instalaram em onze governos europeus, mas apanham da UE, não podem gastar como seus pares da América Latina nem adotar o protecionismo de Trump
O primeiro-ministro da Hungria, o direitista Viktor Orbán, é o chefe de governo que mais aflige os democratas europeus. Ele já transformou em crime a acolhida aos refugiados, criou um órgão para controlar a imprensa, realizou uma reforma eleitoral para beneficiar seu partido, o Fidesz, e diminuiu a autonomia do tribunal constitucional. Na terça 11, defendeu no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, na França, a “democracia” que está fabricando em Budapeste. “O povo húngaro decidiu que seu país não será um país de imigrantes”, disse. Caiu no vazio. Os eurodeputados decidiram aplicar uma sanção à Hungria usando o Artigo 7 do Tratado Europeu. Há nove meses, a Comissão Europeia, braço executivo do bloco, usou o mesmo expediente contra o presidente direitista Andrzej Duda, da Polônia. Entre as punições possíveis estão a perda do direito ao voto no bloco e o corte dos fundos europeus. Na Hungria, eles representam 4,4% do PIB.
Os governos populistas da Hungria e da Polônia, no poder desde 2010 e 2015, respectivamente, são os que mais minaram as instituições democráticas até agora. A Itália, cujo regime é formado por dois partidos populistas, a Liga (ex-Liga Norte) e o Movimento 5 Estrelas, entrou na lista mais recentemente, em maio deste ano. Quando se põem na conta os governos formados por coalizão, os populistas — de direita e de esquerda — já se fincaram em onze dos 33 maiores países da Europa. O total pode até subir para doze, caso os Democratas Suecos, de extrema direita, que tiveram 18% nas eleições do domingo 9, façam parceria com os partidos de centro-direita, que somaram 40% dos votos. As negociações já começaram. O resultado é imprevisível.
A ascensão dos grupos populistas foi impulsionada após a crise financeira de 2011 e com o fluxo de imigrantes e refugiados em 2015. No ano passado, esses partidos receberam um de cada quatro votos de todas as eleições europeias. Uma vez no poder, contudo, eles não conseguem cumprir o que prometem. A União Europeia, fortaleza democrática, é o maior empecilho que encontram pelo caminho. “Na maioria dos casos, os populistas de direita mudam suas posições ou silenciosamente as abandonam”, diz o cientista político alemão Hans-Georg Betz, da Universidade de Zurique. “Em geral, o impacto deles é maior quando ainda não estão no governo.”
As políticas mais chamativas são aquelas em relação ao controle das fronteiras. Em junho, menos de um mês após tomar posse, o ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, da Liga, negou o desembarque de um barco de uma ONG alemã com 224 imigrantes resgatados no Mar Mediterrâneo. Salvini costuma postar vídeos sobre o assunto nas redes sociais. Mas a realidade é que a imigração para a Europa caiu muito neste ano por outros fatores, incluindo um acordo de extradição com a Turquia. “Para Salvini, a retórica é mais importante do que as ações políticas. Para ele, o importante é falar o tempo todo do assunto, dizendo que será duro com os imigrantes”, diz o cientista político australiano Duncan McDonnell, da Universidade Griffith, coautor do livro Populists in Power (Populistas no poder, sem tradução para o português). Com a pressão popular pelo controle das fronteiras e o fortalecimento dos populistas, muitos partidos tradicionais começaram a adotar medidas para reduzir o número de imigrantes, como se verificou na Alemanha e na Suécia. O problema, então, deixou de ser um monopólio dos radicais. Com isso, uma das alternativas que os populistas têm usado para se destacar é dificultar que imigrantes e refugiados que já entraram no país sejam atendidos pelos serviços públicos de saúde e educação. É o que se chama de “Estado de bem-estar chauvinista”. Mas o esforço tem sido frustrado. No norte da Itália, a Liga tentou, na região de Vêneto, exigir que só quem morasse lá por mais de quinze anos pudesse ser atendido. A proposta, aprovada pela câmara local, naufragou no tribunal constitucional.
Amarrados pela União Europeia, muitos governos populistas rapidamente percebem que são incapazes de agradar às suas massas de eleitores aumentando os gastos públicos — medida que produziu desastres na Venezuela, na Argentina, no Brasil e em outros países da América Latina. Na Itália, o Movimento 5 Estrelas prometia uma renda mínima para todos. A Liga, por sua vez, falava de uma alíquota única de imposto de renda, de 15%, independentemente da renda de cada um. Um aumento nos gastos e uma redução na arrecadação destruiriam as finanças públicas. No final de agosto, a classificação do país pela agência Fitch passou de “estável” para “negativa” e os juros subiram. A retração que o governo italiano deve ser forçado a fazer será parecida com a que protagonizou, em 2016, o primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, do partido de esquerda Syriza. Eleito empunhando uma bandeira contra a austeridade, ele precisou ceder e foi obrigado a aumentar os impostos e reduzir os gastos. Pelas regras da União Europeia, nenhum país pode ter um déficit fiscal maior que 3%. “Os italianos estão querendo mudar essa regra, porém os alemães não deixam”, diz o cientista político irlandês John FitzGibbon, do Boston College, nos Estados Unidos. “A coalizão entre o 5 Estrelas e a Liga quer gastar muito dinheiro, mas o Banco Central Europeu pode impedi-los facilmente.” Daí por que os populistas são tão avessos à União Europeia.
Medidas protecionistas, como as que estão sendo adotadas pelo governo do presidente americano Donald Trump, também não vingam porque são barradas pelas instituições da União Europeia. Muitos europeus reclamam da competição desigual com os países emergentes, mas isso não chega a se materializar numa posição contra o livre-comércio. O mercado internacional de crédito também é um motivo para que não se fechem as portas. O governo italiano, por exemplo, está muito interessado em estreitar suas relações com a China, entre outras razões porque espera vender títulos do Tesouro.
Característica dos populistas, a democracia direta tem sido igualmente infrutífera. Na América Latina, esse foi o método usado por muitos governantes para acumular poder. Na Europa, o método não funciona. Na Grécia, o povo se posicionou em um referendo de 2015 contra as condições da UE, mas o governo agiu no sentido oposto depois. O Fidesz, da Hungria, fez um referendo para barrar a imigração — o povo, porém, não compareceu às urnas, e a consulta foi declarada inválida. “Os populistas precisam mobilizar constantemente seus eleitores na base do medo e da raiva. No entanto, isso também espalha o cinismo e a apatia na população”, diz o historiador húngaro Ferenc Laczó, da Universidade Maastricht, na Holanda. Os populistas europeus assustam, mas, felizmente, estão longe de executar tudo o que gostariam.
Publicado em VEJA de 19 de setembro de 2018, edição nº 2600