Entre Mao e Deng
Numa demonstração de força no congresso do PC, o presidente chinês fica do tamanho de antecessores mitológicos e se esquiva de indicar seu sucessor
Primeiro veio a era revolucionária de Mao Tsé-tung, que instalou os comunistas no poder na China em 1949. Ele era o “grande timoneiro”, que conduzia a nação. Três décadas depois, o país abriu-se para o mundo com Deng Xiaoping, o “arquiteto da reforma e abertura econômicas”. Agora, a China embarca em uma nova era com o presidente Xi Jinping. Chamado de “tio Xi”, ele projetou no último congresso do Partido Comunista a imagem de um país de economia diversificada, que oferece boas condições de vida e se impõe como líder global. Tudo, claro, sob a batuta do partido. Até aí, nada de muito novo na névoa de poluição de Pequim. A mensagem fundamental é outra: Xi quer fortalecer seu poder e, quiçá, estender seu tempo no cargo.
Pela tradição, nos congressos do PC, que ocorrem de cinco em cinco anos, um nome é apontado para ser o possível sucessor do presidente e secretário-geral do partido. Desta vez, não foi possível distinguir quem seria o iluminado. Todos os que foram elevados na semana passada ao Comitê Permanente do Politburo, a elite política da China, têm entre 60 e 67 anos. Eles são considerados velhos demais para assumir dois mandatos presidenciais consecutivos no futuro. Regras não escritas vetam a escolha para o cargo de quem tem 68 anos ou mais.
A relutância em apontar o próximo presidente tem três explicações. A primeira, mais óbvia, é que Xi deseja prolongar sua permanência no poder. A segunda é que ele quer testar melhor o sucessor. A terceira: Xi pretende evitar que a projeção da figura de seu sucessor tire o poder que ainda lhe resta nos cinco anos vindouros. Xi não quer se tornar um “pato manco”, termo usado para designar os presidentes americanos que se arrastam no fim do segundo mandato.
Xi também aproveitou a ocasião e imprimiu na Constituição do partido suas ideias e seu nome, o que o deixa com tamanho semelhante ao de figuras mitológicas, como Mao e Deng. O Congresso chancelou a inclusão do “Pensamento de Xi Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas na Nova Era” como uma das diretrizes da agremiação. Com isso, ele ficou logo abaixo de Mao, que também teve o seu “pensamento” cravado na Constituição, e acima de Deng, que na Carta é apenas mencionado por sua “teoria.
De concreto, nos últimos anos, Xi ampliou sua autoridade sobre as Forças Armadas, avançou a presença no Mar do Sul da China, expurgou desafetos com uma campanha anticorrupção, apresentou-se como liderança internacional na área climática, reprimiu o movimento pró-democracia em Hong Kong e apertou o cerco às liberdades civis. Às vésperas do Congresso, até o WhatsApp foi bloqueado. “Nos últimos anos, o movimento lento por mais espaços de liberdade tomou a direção oposta. Tendências não liberais ficaram mais acentuadas com Xi e provavelmente serão ampliadas agora”, diz Jeffrey Wasserstrom, especialista em história chinesa moderna da Universidade da Califórnia em Irvine. Se os formalismos linguísticos podem deixar dúvidas, as ações de Xi são evidentes. “Resta saber se a China vai conseguir fortalecer a economia, o papel do partido e se tornar mais influente globalmente”, diz Scott Kennedy, do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington. A ambição de Xi é clara.
Publicado em VEJA de 1º de novembro de 2017, edição nº 2554