É o fim da picada
O medo de que a vacina contra a febre amarela possa fazer mal talvez seja o maior dos exageros no carnaval de desinformação em torno da doença
No fim de janeiro, começou uma nova etapa da vacinação contra a febre amarela — a imunização por meio de doses fracionadas. É uma estratégia acertada do Ministério da Saúde para atingir mais pessoas, e de forma mais rápida, embora o tempo de proteção seja de apenas oito anos, e não vitalício, como ocorre com as aplicações integrais, sem parcelamento.
O que não veio parcelado, ao contrário, foi o carnaval de desinformação em torno da doença — e o maior dos exageros talvez seja o temor de que a vacina faça mal. Tome-se o caso da morte de um menino de apenas 3 anos, em Osasco, na Grande São Paulo, que se deu cinco dias depois de ele ser levado para a picada em um posto de saúde.
A fatalidade ainda está sendo investigada. Não se sabem ao certo os motivos da parada cardiorrespiratória do garoto. Outros onze casos semelhantes também passam por análise. À falta de certezas, brotaram boatos nas redes sociais: “A vacina é uma farsa!”, “Não tomem!”. Para o infectologista Artur Timerman, presidente da Sociedade Brasileira de Dengue e Arboviroses, “ela é tão segura quanto qualquer outra”. Uma em cada 400 000 pessoas protegidas contra a febre amarela sofre reações graves, como hemorragia e falência hepática e renal. O número de adversidades severas é inferior ao observado com outras vacinas tradicionais e eficazes, entre elas a do sarampo e a da gripe (veja o quadro ao lado). A segurança é de 95%, equivalente à de outras modalidades de proteção.
Não há dúvida: a vacinação é a arma fundamental no combate à febre amarela. Impõe-se o cuidado porque o índice de letalidade da doença é um dos mais altos, levando à morte cerca de 40% das pessoas que desenvolvem a forma grave da patologia (no caso da dengue, por exemplo, o índice é de 10%). A vacina contra a febre amarela é feita com o vírus vivo atenuado — e não inativado, como em muitas outras. Por isso, ela não é indicada a pessoas com o sistema imunológico comprometido, como os portadores do vírus HIV, bebês com menos de 9 meses e grávidas e lactantes, em razão do risco de comprometer o desenvolvimento do bebê. Para ampliar o alcance, cientistas da Fiocruz começarão a testar nos próximos meses, por ora em macacos, duas novas modalidades de vacina, apenas com material genético do vírus e com o vírus inativado — versões que reduzirão ao mínimo os efeitos colaterais. No entanto, são uma aposta para o futuro, exageradamente longínqua diante das preocupações de hoje. Elas devem chegar ao mercado em dez anos.
Estima-se que um terço da população brasileira esteja protegida da doença no país. Especialistas calculam que 140 milhões de pessoas ainda precisem tomar a vacina — meta que pode, sim, ser atingida com o apoio das doses fracionadas. Os desprotegidos, além do risco de contrair a versão silvestre da febre amarela, transmitida por mosquitos que vivem nas matas e na beira dos rios, podem sofrer constrangimento de outra espécie. O Instituto Inhotim, local que abriga obras de arte ao ar livre e cercadas de natureza, na cidade de Brumadinho, no interior mineiro, passou a vetar o acesso de visitantes não vacinados, solicitando na entrada a apresentação do cartão das autoridades sanitárias. São novos tempos, que exigem atenção.
Com reportagem de Giulia Vidale
Publicado em VEJA de 7 de fevereiro de 2018, edição nº 2568